Capítulo 18

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Meus tímpanos são preenchidos por sussurros e sons estranhos que não consigo identificar, deixando-me aflito e quase que desesperado para sair do escuro que estou. Não há nada nem ninguém a minha volta e paredes negras é a única coisa que vejo. Há uma luz em cima da minha cabeça, criando um círculo em volta de mim no chão, numa espécie de interrogatório. Um vento forte atravessa meu corpo e, mesmo estando de roupa, sinto muito frio, percebendo que muitas partes da minha veste estão rasgadas e amarrotadas. Um forte cheiro de suor e bebida invade minhas narinas e logo capto que o odor desagradável vem de mim, como se eu fosse um bêbado miserável que não toma banho há semanas. O gosto amargo se instala em minha garganta e o cansaço me abate, fazendo com que meus joelhos percam a força e batam contra o chão. 

O ar em movimento passa novamente, trazendo consigo um cheiro inesquecível: o cheiro de Emma. Mesmo que com os pulmões doendo, inspiro o máximo que posso, tentando armazenar esse perfume dentro de mim, para sempre tê-lo comigo. Ergo um pouco o tronco, ainda que ajoelhado e sem muitas forças, dando mais espaço para toda a minha caixa torácica. Um arrepio percorre o meu corpo e eu continuo inspirando o ar, não querendo perder nem uma molécula. Depois de mais alguns segundos imaginando ter Swan em meus braços e sentindo seu perfume delicioso, algo a mais se junta ao odor em minha volta, algo metálico, diferente e nada bom. Decido soltar todo o ar que havia colocado para dentro, relaxando minha intercostal e, lentamente, volto a inspirar e o que meu cérebro identifica me coloca em estado de alerta:


Sangue.


O aroma horrível arde minhas vias respiratórias, fazendo com que eu franza o cenho e comece a coçar o nariz em total incômodo. Enquanto esfrego a palma da mão na cartilagem, sinto um líquido começar a molhá-lo, como se meus dedos, agora há pouco, secos, tivessem desenvolvido aquilo. Olho para as linhas e carne no centro da minha mão e meus olhos se arregalam, enquanto meu peito passa a subir e descer mais rapidamente, em desespero. 


Agora as minhas mãos estão vermelhas com o líquido de veias humanas. 


Sem conseguir ficar muito tempo encarando o sangue, fecho os punhos na tentativa de fazê-lo sumir, mas apenas sinto as gotas caírem pelo outro lado da mão, molhando meus joelhos. O vento passa novamente, dessa vez trazendo um cheiro de terra molhada, como a chuva no verão. Meus olhos estão parados no chão, mais especificamente, na minha sombra, sem poder olhar para qualquer outro lugar. 

Ouço um barulho em minha frente e levanto a cabeça, mirando o novo objeto no cômodo: um espelho. Pressiono as pálpebras para tentar focar a minha imagem e, assim que obtenho sucesso, paro de respirar. Olheiras enormes ornamentam meus olhos, estou imundo e completamente destruído. Resolvo falar pela primeira vez naquele sonho.

- Quem é você? - digo para meu reflexo e tomo um susto quando vejo que meu duplicata não acompanha meus movimentos ou fala, como se criasse vida. Seus ombros se abaixam e seu olhar se torna ainda mais pesado que o meu. 

- Eu sou você. - ele diz com a voz embriagada e vem se aproximando de mim, como se sua intenção fosse tomar meu corpo e o controle. Não me movo, eu não consigo e, quando seu rosto está a milímetros do meu, um buraco negro vindo do chão me engole, fazendo-me soltar um berro. Após alguns segundos sendo puxado pela gravidade, caio com força numa outra sala sem luz alguma, com apenas o breu me acompanhando. Gemo de dor, tentando levantar-me e apenas conseguindo ajoelhar novamente. Imaginei que fosse acordar, mas parece que o pesadelo se prolongará um pouco mais. Respiro fundo e encaro minhas mãos cobertas pelo sangue quase seco, pensando em tocá-lo em seguida. Porém, antes que eu pudesse esfregar o meu dedo indicador direito na palma esquerda, ouço choros ao longe, choros infantis. De forma gradativa, eles vão se aproximando e logo três cestas estão em cada canto da sala: uma no meu horizonte e as outras dos meus dois lados. Os, aparentemente, bebês reclamam em conjunto e algo me diz para tentar acalmar todos. 

Destino InfelizOnde histórias criam vida. Descubra agora