Capítulo 47

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Meus ossos doem, meus tendões repuxam e o sangue parece escasso em minhas veias. Não sei a quanto tempo estou nessa mesma posição, porém não mexi um músculo desde que parei de chorar, desde que as lágrimas acabaram. Até esqueci de respirar em alguns momentos, mas não como se fizesse diferença lembrar de inflar o pulmão, já que ele não estará funcionando daqui a pouco.

Queria estar desesperada, tremendo e revirando todo esse lugar para achar uma saída, contudo não sinto um pingo de adrenalina em meu cérebro e permaneço quieta, silenciando os pensamentos um a um até que não haja algum. Se Cora entrasse por esse quarto agora, conseguiria facilmente colocar-me no caixão e embaixo de sete palmos de terra, visto que mais pareço um cadáver do que um ser humano. Aos poucos, posso sentir meu coração bater com mais dificuldade, desistindo de manter a força, a pulsação.

Por mais incrível que pareça, tudo passou a ficar neutro para mim. A madeira gelada não me incomoda, o vômito não me enjoa e o fato de que vou morrer ainda hoje não deixa-me mais triste. Tudo perdeu o sentido, a faísca.

Acho que perdi minha humanidade.

Pisco lentamente e noto, pela primeira vez, um cheiro de mata saindo da parede do quarto escuro, acendendo uma esperança em mim. Viro o pescoço, podendo ouvir toda a engrenagem ranger e doer enquanto movimento-me. Obrigo meu pulmão a encher-se mais ao ver um buraco um pouco grande em uma das tábuas, sentindo a energia da lua entrar depois de tanto tempo. O perfume natural me envolve completamente, chamando para que eu vá lá fora e corra o quanto eu puder. Meu coração se esquenta pela primeira vez em dias e não me sinto tão fraca quanto antes. Minhas pálpebras ganham novas lágrimas e um vento refrescante passa por mim, causando um arrepio em minha espinha.

Engulo seco e, com muito esforço, apoio minha mão direita no chão, tentando sentar para desfrutar melhor de todas as sensações que querem permear e adentrar minhas células. Meu braço treme e caio na madeira, quase podendo ouvir meu ombro estilhaçar-se pelo concreto. Gemo e tento uma, duas, três vezes, mas sempre perco a força e o equilíbrio. E então, de repente, uma luz entra no cômodo, algo parecido com uma estrela cadente que movimenta-se de forma fluída. A estrela rodeia meu corpo deitado, fazendo vários círculos e expandindo sua dimensão em seguida. Aos poucos, volta a ser o pequeno feixe do início e puxa-me com ela, colocando-me no eixo e sentada no chão.

Estou tão atônita que nenhuma das mil perguntas em minha mente se materializam, o que me faz dizer tudo arregalando os olhos e abrindo a boca. Uma voz suave, serena e feminina ecoa pelo quarto:

- Olá, Emma. Está pronta para ir? – o ser sem rosto ou corpo pergunta-me. Pisco rapidamente e, com a pouca força que tenho, esfrego os dedos na minha região ocular, pensando que talvez tenha ficado louca e que estou começando a ver coisas. A voz ri enquanto a luz treme. – Não enlouqueceu, minha linda menina. Eu sou real. – apavoro-me mais ao ver que ela pode ouvir meus pensamentos:

- Q-Quem é você? – questiono baixo, ainda sentindo o gosto metálico de sangue e o azedo do vômito na língua. Daria de tudo por um pouco de água. E, num passe de mágica, uma cuia aparece em minha frente, flutuando pelo ar, carregada de água limpa. Afasto meu corpo e encaro a luz assustada.

- Não tenha medo, criança. Beba-a. – encoraja-me, aproximando o pote de mim novamente. Com as mãos tremendo e sem entender muita coisa, seguro o recipiente e logo engulo o líquido renovador, infestado de energia. – Sou Mãe Terra, Emma. Protetora de toda a natureza e seus seres. Gaia. – explica e olho-a por cima da cuia. – Vim te tirar daqui, menina. Não temos muito tempo. – franzo o cenho e limpo a boca com as costas da mão:

Destino InfelizOnde histórias criam vida. Descubra agora