10. Irritação

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Não fazia nem 24 horas que conheci Amabily e já sentia uma queimação no estômago...de irritação!
Depois de conhecê-la gritando feito louca só de lingerie no quarto que estava ocupando na casa e toda a confusão da madrugada, não consegui pregar os olhos. A cena daquela sílfide de grandes olhos azuis me acertou tão forte que toda vez que fechava os olhos tinha que abri-los novamente para não testemunhar uma derrota adolescente nos meus quase quarenta anos! Caralho de mulher gostosa...e irritantemente indolente!
A manhã de domingo transcorreu muito bem sem sua presença, mas a tarde chegou e ela resolveu dar o ar da graça...aliás, mais do que o ar da graça!
Depois de tocar meu ombro e eu sentir todo o corpo se arrepiar, achei que ela estivesse de fato querendo se desculpar, mas a putinha veio com a brincadeira mais idiota da face da terra e minha queimação no estômago tomou proporções gigantescas. Se era guerra que ela queria, sou um ótimo combatente!! Estava veladamente declarada a minha guerra contra minha querida nova irmãzinha...

- Poxa, irmão! O pessoal dessa casa é o mais engraçado, feliz e unido que já conheci. Até vovô levou super na esportiva a brincadeira... - Bruna tinha vindo conversar um pouco comigo a noite
- E? Você me conhece, Bru! Não tolero mulher fresca e idiota!
- A sério, Rafa?? - Ela gargalhou - Isso é novidade, já que foi casado por 10 anos com uma delas!
- Não estamos nesse assunto. - Falei sério.
- Você sabe que mais cedo ou mais tarde vou descobrir, não é?
- Não tem o que descobrir, Bruna! Eu cansei de ser casado, só isso! - Meu orgulho jamais me permitiria dizer a Bruna o que nem para meu pai contei.
- Ah tá! Vai cagar, Rafael! Você caia de quatro por aquele nojo humano!
- Caia, disse bem.
- Tem motivo e vou descobrir! Agora sobre a Bily...já amo aquela doida! Ela tem um coração gigante! Deveria dar uma chance a ela.
- O que faltou no cérebro foi para o tamanho do coração? - Disse com um sorriso sarcástico no rosto.
- Nossa, Rafael! Você está pior do que antes! Quer saber?
- Não, não quero! - Cortei Bruna porque não estava a fim de ouvir sobre a benevolência da loira abusada.
- Ok, irmão, ok...Quando pudermos conversar como irmãos voltamos a nos falar.
- Você está dizendo que não podemos, Bruna. Basta não mencionar aquela doida que mais parece nunca ter saído da adolescência e nossa conversa vai fluir muito bem.
- Ela faz parte dessa família que te acolheu seu mau agradecido!
- Família esta que por sinal também é do nosso pai! Evandra é fora de série, já a amo só por ver o brilho no olhar do seu Susano. A menina também é uma fofa e parece ser a mais sensata depois da mãe. A do meio não pude fazer qualquer julgamento de valor e a mais velha...bom, ela para mim será um fantasma pelo tempo que estiver nesta casa e que pretendo que seja bem passageiro.
- Você só esqueceu de uma ou duas coisas, irmão...
- E o que seriam?
- Se Evandra é a alma da Évora, Amabily é o coração e o corpo...e você terá que trabalhar juntinho com ela se aceitou o trabalho - Ela deu de ombros - Talvez a convivência diária aqui e no trabalho faça você enxergar.
- Ou ignorar de vez?
- Pôrra, Rafael! Não dá! Irritante demais pro meu gosto! Fui.
- See you... - Bati com a mão para Bruna conservando meu sorriso cínico no rosto.
- Afff!

Bruna saiu batendo a porta e deveria entender naquele momento que teria grandes problemas pela frente!

- Bom dia, amadinhos!!!! - Evandra chegou a mesa com um sorriso radiante.
- Bom dia, Evandra! - Respondi enviando-lhe um sorriso genuíno
- Bom dia, vida!! - A insolente cumprimentou a mãe e meu estômago deu sinal ao ouvir a voz se dirigir a mãe com carinho.
- Prontos para começar a nova fase da Évora com nosso arquiteto?
- Logo após o café, mamãe! - Lyz bradou.
- Carinha de mamãe, não assuste nosso irmão! Ele ainda não sabe que você pode ser um cão feroz sem sua dose de cafeína. - Novamente a voz melodiosa. "Eu me arrepiei?? Eu, hein!"
- Tá sabendo agora! - "Nossa! Aquela coisinha que mais parecia um anjo risonho mostrou suas garras!"
- Uh! - Bruna riu e me olhou claramente se divertindo.

O café da manhã transcorreria na mais perfeita ordem se eu não quisesse tomar mais algum café.

- Passe o açúcar, pai?
- Aqui, Susano! - A bebezinha prontamente passou o açúcar e minha boa educação me fez agradecê-la.
- Obrigado!
- Disponha - Ela sorriu cinicamente e ali eu já deveria ter percebido que daria merda. Precisava ficar mais atento.
- Espera! você  toma café puro, Amabily! - Ninah interveio com os olhos arregalados levantando a cabeça de sua conversa ao celular, mas já era tarde demais.

Depois de uma golada profunda no café o sabor do sal queimou minha garganta, depois da colher generosa de "açucar" que coloquei.

- Oops! Acho que confundi as louças! Peguei o sal para colocar no mamão. - Ela sorriu sarcástica e Bruna me olhou como se dissesse "Eu te avisei" - Desculpe, irmãozinho...

Levantei da mesa em um rompante, meus olhos ardiam, mas não perdi a pose.

- Tudo bem! O que não é um pouco de sal para tanto doce, não é mesmo, " irmãzinha"? - "Ah! mas a vingança é doce..." Pensei e me virei para Evandra - Vamos ao trabalho?

Evandra me pediu tantas desculpas pelo que acontecera que me senti mal de verdade por ela. Como aquele filhote poderia ser filha de uma mulher tão boa? Semelhanças só tinham mesmo na aparência física.

- Vou ter uma conversinha com Amabily! - Evandra disse enquanto entrávamos no carro
- Deixa pra lá!  Está tudo bem.  - Me acomodei ao seu lado.
- Nós somos assim, sabe! Vivemos brincando e rindo. Amabily é a pior de todas, adora "trollar" como vocês dizem, mas tem um grande coração... - Eu duvidava daquilo, mas não teria coragem de contradizê-la -  Mas, já notei que você é bem sério! Prometo que vamos nos controlar!
- Está tudo bem mesmo! Você está em sua casa e...
- Nossa casa! Você é parte da família, não tem mais jeito! - Ela riu e me deu um tapinha no ombro.

Chegamos a Évora e não esperava a beleza do lugar. Tudo de muito bom gosto. Duvidava muito que poderia fazer algo mais ali e sendo sincero, acho que nem precisava. Começava a achar que aquela mulher de coração enorme inventou a mudança só para me ajudar mesmo.

- Tudo aqui é muito bonito e de bom gosto, tem certeza da reforma? - Evandra corou e baixou os olhos.
- Sabe, Rafael...na verdade a reforma não é aqui e sim nos fundos...
- Ah sim! Então, vamos lá!
- É que...droga! Eu achei que vocês fossem se dar bem!
- Como? - Senti um calafrio, mas continuei - Não entendi.
- Bom, preciso remodelar a minha sala mesmo, gosto de estar sempre mudando, mas a partes dos fundos é onde funciona o projeto social...
- Certo... o da sua filha - "Puta que pariu!!! Eu teria que trabalhar com ela!!" Engoli em seco porque não tinha muito o que pensar e nem escolher - Bom, se ela aceitar, estou dentro!
- Ela vai...mas devo adverti-lo...minha Amabily não vai parar...
- Por mim, tudo certo! - Eu também não tinha a mínima intenção de parar, até que conseguisse me vingar da loira insolente -  Não sou uma pessoa tão séria assim, posso lidar!
- Ótimo, então! Vamos?

Evandra me deu o braço e rumamos para os fundos.  Ali eu teria trabalho de verdade! Não que fosse feio ou sem jeito, mas dava para perceber que o projeto cresceu mais do que previram e ainda precisam ajeitar tudo no lugar. Nos aproximamos de um falatório e ao chegar na ampla entrada pude assistir a cena romântica a minha frente. Meu estômago roeu e me senti doente. "Que pôrra é essa?"

Vai ter volta!Onde histórias criam vida. Descubra agora