41. Ressentimento

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Estufei o peito e decidi arrancar o Band aid de uma só vez:

- Sim! A conversa é com você e somente com você! Querendo ou não você ficará de boca fechada e irá me ouvir até o ponto final!!

Por dentro eu era puro medo do que iria sentir, mas por fora, Ninah jamais veria o quanto eu estava destruída.

- Bom, é o seguinte: Há alguns anos atrás uma menina engravidou de uma cara que não estava nem aí para ela. Foi ingênua, não burra, porque amava aquele cara... - Amabily parou e respirou fundo
- Está me contando a história de minha mãe... - Ninah cruzou os pés embaixo das pernas.
- Não. Estou contando a história do seu nascimento e desta família.
- E?
- Acontece que a menina tomou uma decisão muito errada, mas que era a mais sensata e acertada naquela época e ninguém pode apontar o dedo ou julgar de alguma forma.
- Amabily, esperei anos para saber a minha história e você nunca foi de rodeios, por favor! Agora que começou vá direto ao ponto. - Mais uma respiração profunda.
- Ok! A decisão foi mudar de nome aos 18 anos e te deixar aos cuidados da melhor pessoa desse mundo todo como filha mais nova. Eu sou sua mãe. Pronto!

Ninah se remexeu no sofá e quando achei que ela estivesse em choque ela disse a frase que eu jamais esperaria ouvir:

- Sabe, Amabily...ou Anne! Não sou burra! Você conhece muito bem a família na qual cresci! Somando dois mais dois, isso eu já sabia há tempos!
O que me magoa de fato é porque você escondeu quem é o meu pai!
- Você o quê??? - Senti o mundo girar e me sentei na mesinha
- Sem essa! - Ela se levantou. - Daqui há dois dias vou completar 19 e sairei por aí para procurar quem é o meu pai! Você tem duas opções: Me dar pistas ou me deixar ir ao léu!
- Não será preciso! - Rafael que até então estava boquiaberto se levantou - Sou eu!
- Rafa...eu realmente gosto de você, sempre te disse, mas não se preste a esse papel sem necessidade!
- Não, Ninah... você não entendeu! Eu sou mesmo seu pai!
- COMO É????? Mas uma mentira absurda que você me contou??? - Ninah gritou e pude ver suas mãos tremerem. Ela me olhava com ódio.
- Isso não foi uma mentira que eu contei ou inventei, foi só...o destino!
- E vocês querem que eu acredite nisso?? Já deu! Fui!
- Senta aí agora, garotinha! - Rafael trovejou - Agora você vai ouvir a mim!!!

Ninah mais uma vez abriu a boca, fechou e ...sentou.

- Eu fui uma criança feliz, pacata, estudiosa e tranquila até perder minha mãe, sua avó, para o câncer - Rafael começou e vi seus olhos marejarem - Depois da morte de minha mãe me tornei um adolescente rabugento que vivia para desafiar a vida...eu me achava o tal! E foi em uma destas apostas idiotas que encontrei sua mãe, uma nerd total, fora dos padrões...- Ele se sentou e passou a mão pelos cabelos - Deus! Como eu era preconceituoso! E não foi isso que meus pais me ensinaram! Bom, apostei com o Humberto, meu amigo naquela época e hoje noivo de sua tia Bruna, que tiraria a virgindade de sua mãe a qualquer custo. Não sabia que ela engravidaria, nem tinha como saber porque após a festa de formatura em que você foi gerada eu nunca mais a vi.
- Simples assim? Você se exime de tudo dizendo que não sabia que ela engravidaria?? - Ninah estrilou
- Não estou me eximindo de nada! Eu fui um bosta!
- Foi mesmo... - Ninah resmungou baixo, mas consegui ouvir e Rafael também.
- Eu ouvi isso e é uma culpa que vou carregar até o fim dos meus dias.
- E aí os pombinhos se reencontraram e deixou a idiota da filhinha sem saber de nada! Aproveitaram e fizeram outro filho, não é mesmo? - O olhar de Ninah era puro ressentimento.
- Alto lá! Desconfiei que você pudesse ser minha filha apenas quando ouvi aquela discussão que se seguiu quando Juliana esteve aqui. Mas acreditava piamente que Anne tinha morrido. Sua mãe naquela época era bem diferente do que é hoje. Alguns trejeitos me levavam a lembrar da adolescente que fiz sofrer tanto... - Ele me olhou e sem emitir som, se desculpou ganhando meu consentimento com meu balançar de cabeça - Ela sofreu Ninah, muito! Agora posso entender todas às vezes em que a vi chorar após discutir com você.
- Ok! Essa é a minha história, você é meu pai, ela minha mãe e todos vivem felizes...só que não!!!! Vou adiantar minha volta ao mundo! Já chega dessa família! - Me levantei com um pouco de dificuldade, ainda mais destruída por dentro, respirei fundo e encarei Ninah.
- Sabe, Ninah! Eu errei em muitas coisas, mas não cabe a ninguém esse julgamento que não a mim mesma! Muito menos a você!
- Não ferra, Amabily! Discursinho de merda esse! - Ela se levantou e eu a empurrei de volta ao sofá com o dedo em seu ombro.
-- Eu disse que você ouviria até o ponto final e você vai! Eu não terminei. - Me armei de coragem. Era a primeira vez que podia falar com ela como mãe e filha
- Aaai!!! Tira a mão de mim!
- Assim que você calar sua boca, menina mimada!!! - Minha voz subiu três oitavas e Rafael se levantou vindo para o meu lado - O maior erro da minha vida foi ser condescendente!!! Sua avó me avisou que você ficaria assim! Deveria ter deixado ela te educar da mesma maneira que eu e Lyz fomos, mas a culpa não me deixou! Erro! Grande erro!! - Respirei fundo e me sentei - Olha aqui, Ninah! Não posso reparar o que já foi feito. Você tem pai, mãe e toda uma família que te ama muito, mas a escolha é só sua porque é maior de idade, então, vá! Pegue suas coisas, viaje pelo mundo e reflita sobre tudo. E se um dia decidir voltar para aqueles que te amam e sempre fizeram tudo por você, estaremos aqui.
- No momento que eu sair por aquela porta não voltou nunca mais!!!

Ninah  berrou se levantando e minha mãe, que com certeza ouviu tudo, entrou na sala com seu jeito firme porém doce.

- Ok, pessoinha! Está decidido então? Deixa eu me despedir de você com um até nunca mais! - Ela piscou para mim.

Era a primeira vez que agia como a avó que sempre quis ser para Ninah. Está vendo porque minha mãe é minha vida todinha? Ela é a melhor!!!

- Se você quiser também chamo todos aqui para se despedir também. Só com seu Antônio que você terá que conversar sozinha. Ou melhor, seu bisavô!! - Ela riu alto - Gente! Que vida louca!!
- Você não vai me fazer ficar com essas palavrinhas doces "vovó" - Ninah zombou e vi os olhos de D. Evandra mudarem de tom. Agora fodeu!!!
- E quem disse que estou sendo doce para você ficar, Caçulinha?? O desejo é seu de fugir. Mas está tudo bem! Nessa família só tem espaço para mulheres de força e resiliência! Aquelas que encaram o mundo de frente! Você está certa em viajar pelo mundo. - Bateu no ombro de Ninah e me olhou - Agora me dê aqui um abraço que viajo amanhã cedo com Susano e posso não te ver sair!
-- Vocês não vão ficar para se despedirem quando eu for? - Ninah perguntou lívida. Claramente não esperava por isso.
- Ah, meu bem, pra quê? Você é maior de idade, vacinada, amadurecida, não precisa de ninguém!

Minha mãe respondeu Ninah enquanto se retirava da sala. Eu com certeza tinha um sorriso nos lábios quando olhei para Rafael e ele estava sorrindo e balançando a cabeça de um lado para o outro. Resolvi seguir o mestre!

- Vamos, gostoso? Já dissemos o que tínhamos para dizer. - Me virei para Ninah - Então é isso, Ninah! Boa viagem para você! Quando seu irmão nascer, se não trocar seu  número, mando uma foto se quiser. - Ela olhou para Rafael implorando com o olhar que ele dissesse algo e ele falou:
- Boa viagem, minha filha! Gostaria de passar mais tempo com você, mas te entendo! - Deu um beijo em sua bochecha e esticou a mão para mim entrelaçando nossos dedos.

Ninah saiu da sala sem dar uma palavra e subiu correndo as escadas Seu rosto estava vermelho e pude perceber que ela queria muito chorar...coisa que eu já não estava conseguindo segurar, mas precisava ser forte como D. Evandra me ensinou. Ninah precisava amadurecer.

- Vamos logo, baixinha! Senão todo esse teatro irá por água abaixo. Ninah não pode te ver chorar! - Ele já me conhecia bem
- Rafa...dói tanto...
- Eu sei. Vamos torcer para que o insight aconteça para ela. E se não acontecer...temos um ao outro, nosso bebê e a esperança que um dia ela entenda.

Vai ter volta!Onde histórias criam vida. Descubra agora