22. Conciliação

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Subi as escadas como se carregasse três homens nos ombros e já ia entrando no quarto quando ouvi a discussão no andar de cima."Pôrra! Que merda eu trouxe para está família!". Passei as mãos no rosto e me aproximei da escada, o assunto não era sobre os fatos da noite, mas mesmo assim parei para ouvir. "Agora virei um fofoqueiro!"

"-Eu não estou entendendo! Que merda você ouviu, menininha??" - A voz de Evandra parecia ainda mais tensa

"- Eu sei que a senhora é minha avó! Eu sei que minha mãe morreu!!! Eu sei!!!!
Ela disse que me defenderia! E cadê?? Estou esperando por isso! Porque até agora a minha TIA Amabily, só fez trollar as pessoas, debochar da vida e ameaçar quem implica comigo!"

Alguém falou algo, mas não consegui ouvir e logo Ninah voltou a gritar

"- Não estou nervosa, pôrra!!! Estou cansada!!! Porquê me esconderam isso?? Pra quê??? Eu não tenho uma foto da minha mãe! A única coisa que sei dela é que morou na casa que hoje vô Antônio ocupa!"

Então, a loira é tia e não irmã?? Caralho!! Agora entendo a animosidade entre as duas!

Fui para o meu quarto lembrando do dia em que peguei Amabily chorando após discutir com Ninah, seu jeito de lidar com a doce caçula de gênio forte. Ouvir segredos de família não curou a dor de cabeça extrema que sentia, mas me fez entender o quanto àquelas pessoas são acolhedoras e se amam acima de tudo. Eu precisava engolir toda a pôrra do orgulho, pedir desculpas à todas e tentar terminar o mais rápido possível a reforma do meu apartamento!!
No dia seguinte, ao passar pelo escritório, a voz melodiosa e linda de Amabily penetrou meus ouvidos e não resisti. Parei à porta para ouvi-la. "Como é linda essa loira abusada, boca suja e gostosa!!!"

- Devia ser cantora. Tem uma voz bonita. - Falei mais perto dela do que deveria
- Deboche a essa hora? Hum, não preciso. - Eu falei a verdade! A voz dela me acalma!
- Não estou debochando. Tive uma noite infernal demais para isso e a essa hora. - Me joguei na poltrona ao lado de onde estava desenhando.
- Não te julgo...

Com umas alfinetadas aqui e outras ali, acabamos conversando e até gargalhando juntos. Mesmo sendo um furacão, aquela baixinha me acalmava e não sabia dizer como. Quando Bruna chegou chorando e pensei que viriam mais alguns sarcasmos, ela simplesmente nos deu espaço e saiu.

                                 ***

Duas semanas inteiras se passaram sem que trocássemos qualquer tipo de farpa. Pelo contrário, criamos rapidamente o hábito de conversar no escritório ao chegarmos do trabalho. Aquilo era uma conciliação? Acho que sim! Isso era bom e ruim aos mesmo tempo: Bom porque percebi em Amabily uma mulher doce debaixo daquela máscara de sarcasmo e ruim porque a cada dia que sentávamos para conversar e até rir um pouco, ela não saia dos meus pensamentos durante toda a madrugada. Então, leitores, façam suas deduções! Se criamos um rotina diária...meus sonhos molhados não foram poucos.

- Rafa, pode enviar um recado meu para o Carlos? - Sim, eu já estava trabalhando com o sujeito.
- Claro, Evandra! - Estávamos à mesa do jantar
- Aproveita entrega um bilhetinho para ele por mim? - Meu estômago se contraiu ao ouvir o pedido da loira.
- Bilhete? Porquê não liga? - Ela sorriu debochada como sempre.
- Porque quero que me conte depois a reação dele! - Ela deu de ombros.
- A sério? Nosso bom relacionamento é tão recente! - Todos na mesa gargalharam
-  Não é um bilhete picante! Ô mente podre! Na verdade é um fora bem basiquinho para ele parar de perturbar!- Meu estômago parou de doer  "Satisfação na entrega!" - Pensei e Sorri.
- Ok, irmãzinha! Estava gostando tanto do trabalho...
- Não se deprecie, homem! Já te disse...
- Ok, ok! Já entendi! Passa o bilhete!
- É tão bom ver vocês se dando bem! - Evandra colou os cotovelos na mesa e cruzou as mãos embaixo do queixo - Não é, Susano?
- É sim! - Meu pai sorriu e me deu aquele olhar
- Até essa aí estragar alguma coisa com suas brincadeiras. - Ninah rosnou e o silêncio pairou
- A mal humorada aqui sou eu, caçulinha! E pela manhã! Devolve meu posto! - Lyz, a meiga Lyz, tentou quebrar o gelo.
- Não me convence! - Ninah falou baixo e olhou seu prato dando de ombros exatamente como a mais velha fazia.

Um arrastar de cadeira me fez olhar na  direção de Amabily que se levantava e não passou despercebido os lábios trêmulos

- Vou escrever o bilhete!!

E sem pensar muito, também me levantei e fui atrás dela. Ela não choraria hoje!

- Amabily? - Chamei da porta e ao mexer na maçaneta vi que estava trancada - Qual é, abre a porta!
- Estamos nos dando bem, Rafael... - Pela voz ela já estava chorando e isso me consumiu
- Por isso mesmo! Abre, vai? - Silêncio

Encostei a cabeça na porta e fiquei pensando no que falar quando senti alguém ao meu lado. Lyz.

- "Eu bato e chamo, você entra!" - Ela disse  gesticulando e sem emitir som

Eu neguei. Não faria isso. Poderia melar essa tênue e nova  amizade que já me fazia tão bem. Ao me virar para sair e dar espaço para Lyz, ouvi o clique da maçaneta e olhei para os olhos arregalados de Lyz que correu. Entrei com cuidado.

- Lyz estava aí, não estava? Sei que estava! - Ela falou ainda de costas e pensei em mentir
- Estava. Mas ao ouvir a porta correu e me deixou aqui para entrar...bom, só te resta...
- Você.
- É...
- Ainda não fiz o bilhete.
- Volto depois
- Não...fique! Eu já abri mesmo. - Ela continuava de costas

Minha vontade era de abraçá-la apertado e deixar que chorasse ou sorrisse lindamente. Mas não faria isso. Decidi contar o que já tinha ouvido.

- Sabe... não sou fofoqueiro nem nada disso, mas acabei ouvindo a discussão daquele dia...
- Você ouviu.
- Sim ouvi. Ninah é uma menina, uma hora ela vai entender. O que quer que tenham feito, tenho certeza que foi para o bem dela. - Ela suspirou e curvou os ombros
- Não sei...eu achei que...

E então ela se virou para mim, me abraçou e chorou. Muito!. Esperei que ela se acalmasse afagando seus cabelos.

- Ok, ok... não vou contar a ninguém que está ensopando minha camisa e seu nariz está escorrendo. - Tentei brincar e levei um soco de leve no ombro. - Fiz você sorrir! Tá valendo.
- Obrigada! -  Me afastei um pouco e olhei em seus profundos olhos azuis.
- Repete isso! Não espera! Não repete porque se o mundo ainda não acabou desta vez  acaba!
- Idiota! - E sorriu mais uma vez
- É sobre isso! - Apontei seu sorriso - Sorriu duas vezes! Prognóstico bom!
- Sai daqui, Rafael! - E gargalhou.

Eu queria ouvir o som da sua risada toda hora. Queria ver seu sorriso com covinhas e sua boca soltando sarcasmo...Eu estou apaixonado??? Nãããão!!! Sim, eu estava e tive a certeza ali! Meu peito doeu ao saber que ela chorava, meu peito aqueceu quando ouvi sua gargalhada. Sim! Eu me apaixonei por Amabily Garcia Lee.

- Ainda vai escrever o bilhete hoje?

Tinha intenção nisso! Queria ver a cara de pateta de Carlos. Queria que ela nunca mais encontrasse com ele. Queria Amabily inteira para mim. Puta merda! Um apaixonado egoísta!.

- Farei agora. E você não ouse omitir uma reaçãozinha mínima que seja, senão acabou o amor!
- Certo, chefe! - Sorri com certo deboche.

Ela sentou, enxugou o rosto na manga da blusa de seda que vestia e começou a escrever. Quando terminou, me deu o bilhete, ficou nas pontas dos pés, beijou minha bochecha e já ia se afastar. Meu pau deu sinal imediato de vida e segurei seu pulso. Nós nos encaramos.

- Nossa amizade é recente.
- É...

Vai ter volta!Onde histórias criam vida. Descubra agora