12. Irmãzinha

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Passei o dia na Évora, conheci todos os funcionários e pude ver o quanto o trabalho social de Amabily  fazia um bem enorme para aquelas mulheres. Confesso que quando cheguei à sala, pensava em me vingar terrivelmente do sal no meu café e do pisão no pé que ainda doía, mas depois de perceber a dimensão daquilo tudo, desisti, porque aquelas mulheres não mereciam mais nada de ruim em suas vidas! Não conhecia a história delas, mas seus olhares já diziam tudo. Na hora em que Marta travou, já estava tão arrependido por pensar em vingança que me senti na obrigação de ajudar.

- Marta, se me permite, sei que se sente envergonhada!
- Eu não consigo...
- Consegue. Pense naquela mulher lá fora, enlouquecida para saber se o dia de hoje foi tão proveitoso para você quanto foi para ela. Ela quer te ver brilhar e você pode brilhar por você e por ela.
- A Bily faz tanto por nós...eu vou!

Não falei nada demais para Marta, mas ver aqueles olhos azuis arregalados me perguntando o que eu tinha falado com ela, foi ímpar!! Coloquei o meu melhor sorriso cínico no rosto, avisei com o gesto de indicador que era um segredo e pronto...se Marta não falasse nada, minha irmãzinha nunca saberia! Eu posso ter ficado consternado, mas não esqueci a cena do café da manhã!.

- Bily, voltamos juntas? - Lyz perguntou a irmã.
- Tô de moto e ainda tenho que acertar umas coisas com o Love. Leve a Bru porque ela veio comigo. - "Ok. Descartou minha irmã pelo namoradinho". Pensei sentindo mais uma vez o estômago roer.
- Vou chamar a Bru. Vem comigo, Rafa? - Lyz chamou
- Vou sim. Até comprar um carro vou precisar dessas caronas! -
- Sem problemas! Eu e Bily revezamos na direção, hoje era o dia dela, mas como ela veio voando...Vamos? - "Revezam? Pôrra! Amanhã mesmo vou ver meu carro!"
- Vamos lá! Bye, "irmãzinha". Ah! E de nada! - Ela sorriu cinicamente e acenou rápido, juntando alguns papéis em sua mesa.

Naquele mesmo dia após o jantar pedi licença à Evandra e meu pai e fui usar o escritório para começar a esboçar algumas coisas. Estava distraído há algum tempo quando vi Lyz parada na porta com roupa de academia e toda suada me olhando pensativa.

- Oi, Lyz! Não te vi aí!
- Sabe, Rafa! Acho que enquanto estiver aqui pode continuar seus exercícios físicos com o Digão.
- Digão?
- É! Nosso personal. A Ninah adora uma academia e já arrastou Bruna com ela. Eu e a Bily não temos saco pro ambiente e contratamos o Digão. Ele está lá fora esperando minha irmã, se quiser marcar uma hora com ele...
- É...boa ideia.- Lyz era uma menina doce e fiquei sem graça de dizer que eu também preferia uma academia. - Vou lá conhecer o Digão!
- Legal! Ele é massa! Vai gostar!

Juntei os esboços, levei até o quarto e fui encontrar o tal personal, mas no momento que saí, mais uma cena romântica acontecia.  "Mas que pôrr...mulherzinha volúvel!!". Amabily estava pendurada no pescoço do moreno corpulento dando-lhe um selinho. E eu já havia visto aquela mesma cena pela manhã só que com outro moreno corpulento.

- "Coitado do cara!" - Falei para mim mesmo e senti ainda mais raiva daquela loira abusada.
- Falando sozinho, filho? - Vi meu pai ao meu lado seguindo meu olhar - Fiquei sabendo o que aconteceu hoje pela manhã.
- Pai, ela estava beijando um cara hoje, não veio com a gente porque precisava "resolver" alguns assuntos com ele e agora está ali, beijando outro!
- Amabily é expansiva assim mesmo.
- Expansiva? Isso para mim tem outro nome!
- Rafael, Rafael... você está preocupado? - Ele soltou aquela risadinha que  conhecia bem
- Claro que não! Estou é com pena do cara, por que ela é uma...
- Shiu! Não vá por aí, Rafael! Afinal, o que você tem haver com isso?
- Certo. Verdade. Não tenho nada com isso. - Mas naquela  altura não era só o meu estômago que doía, minha mandíbula também de tanto que apertei.
Retornei ao meu quarto e da minha janela pude ver a interação dos dois, que após alguns minutos de papo, saíram em direção ao carro e partiram dali. Então era assim a vida que Amabily levava! Vulgar para não dizer outra coisa, traindo como tantas por aí! Ela é linda e gostosa, mas não merece nem um olhar a mais da minha parte!

                           ***
Não voltei à Évora por toda a semana. Precisava resolver a questão do carro e do meu apartamento. Me matriculei na mesma academia de Ninah e Bruna e passei a ir com elas. Quando não estava na rua ou com meu avô, estava no escritório ou em meu quarto, então, não vi a loira mais velha pelo resto da semana. No sábado de manhã, a família inteira estava reunida na piscina. Observei da janela enquanto tomava meu café da manhã e notei que faltava alguém ali, me aproximei da porta da cozinha e ouvi Evandra chamar:

- Bom dia, Rafa! Junte-se à nós!!! -  Até seu Antônio veio aproveitar o sol!
- Vou trocar de roupa e já venho!

Teria uma manhã de paz sem ter que olhar aquela mulher "expansiva" de vivos olhos azuis e traseiro perfeito com suas trollagens e piadas sem graça. Troquei de roupa e desci, mas ouvi um choro baixinho vindo do escritório. Amabily estava sentada no chão com a cabeça entre os joelhos e o celular nas mãos. Encostei no batente da porta, cruzei meus braços e resolvi ser um pouquinho mau.

- Não fique assim "irmãzinha"! Afinal, na falta de um "Love" sempre tem outro esperando! - Ela levantou a cabeça, o rosto lavado de lágrimas.
- O que você sabe da minha vida? - Ela me encarou séria  e eu nada falei - É isso aí! Nada!! Você não sabe de pôrra nenhuma!
- Não gostaria de saber pelo pouco que vi - Senti um incômodo no peito ao ouvi-la, mas meu orgulho continuava ali.
- É mesmo? Eu não agradei meu irmãozinho? Que lástima, não é mesmo? - Ela falou com ironia se levantando e vindo em minha direção - Então, pega esse teu achismo machista de merda e enfia no seu cu.

Senti o vento da porta que ela bateu com força em meu rosto e só não conseguiu me machucar porque fui rápido e pulei para trás. Dei de ombros e gargalhei. "Ponto para você, Rafael! Conseguiu irritar a frívola loira".

- O que aconteceu? É a Bily que está aí? - Lyz estava atrás de mim de olhos arregalados.
- Ah! Sim, é ela!
- Eu sabia que ela não tinha saído pôrra nenhuma! Me dá licença, Rafael! - Ela me empurrou com força e bateu na porta - Bily, sou eu, carinha de mamãe, abra!

A doce menina sorridente estava séria  e brava ao passar por mim e mesmo com seu pequeno tamanho ao me empurrar conseguiu me desequilibrar um pouco, mas ao bater à porta e falar, a doçura estava de volta em sua voz. " Que pôrra de família doida". Balancei a cabeça e fui para a piscina curtir minha manhã de sol...Bom, eu tentei, mas alguma coisa na demora das irmãs me incomodou e de cinco em cinco minutos eu olhava para a porta esperando que saíssem de lá. Resolvi perguntar ao meu pai reservadamente se ele sabia de alguma coisa.

- Ela estava chorando? Achei que ela tivesse saído depois da discussão. - Meu pai coçou a cabeça
- Discussão? Então o namorado soube da traição? - Tentei
- Do que você está falando, Rafael? Ela discutiu com Ninah!
- Ah, tá! - "Bobagem de irmãs", dei uma risada sarcástica - E a "cheia de si" chora por uma discussãozinha de irmãs? Fala sério, pai!
- Rafael, pelo pouco que conheço de Amabily ela não se afeta por muitas coisas, mas quando o assunto é sua família ou aquelas meninas que ela ajuda, ela fica mortificada.
- Dramática, então! Entendi.
- Desde quando você se tornou essa pessoa, meu filho? - Meu pai me perguntou calmamente mas muito sério.
- E de que pessoa estamos falando? - Rebati
- Dessa aí que julga antes de saber ou conhecer as pessoas. Dez anos fora te fizeram assim? - Me senti aquele adolescente que fui um dia novamente.
- Está certo, velho! - Abaixei a cabeça, mas tentei brincar - Essa minha "irmãzinha" mais velha desperta o pior de mim!
- Conheço algumas histórias assim... - Meu pai bateu no meu joelho e deu sua risadinha.
- E agora é o pai quem tira conclusões que não existem... - Apontei na direção dele.
- Sou mais velho que você, filho! Enxergo algumas coisas além!
- Tenho um pai místico agora! - Debochei e ele só me olhou e sorriu pegando sua cerveja e tomando um gole.

Vai ter volta!Onde histórias criam vida. Descubra agora