Deixo o Salvatore no banheiro e vou para o closet para escolher uma roupa. Coloco um short de moletom preto, uma blusa branca de mangas curtas e um chinelo da Fila rosa. Deixo o meu cabelo solto mesmo e desço. A Anna deve estar na sala ou no quintal, provavelmente. Desço e o primeiro lugar em que eu a procuro é a sala de estar, ela não está lá. Caminho até a cozinha e também não a encontro. Abro a porta deslizante para o quintal e a imagem que eu vejo me faz rir. Anna está deitada em uma das espreguiçadeiras perto da piscina tomando um copo de suco de laranja. Seus pés estão pra fora e ela está balançando eles como se fosse uma criança. Ela está cantarolando uma música qualquer enquanto o serva o nada. Mais relaxada impossível. Caminho até ela e limpo a garganta chamando a sua atenção. Ela sorri para mim e pula da espreguiçadeira ficando em pé.
- Vamos, vamos fazer um lanche e conversar. Quero saber tudo sobre você. - ela fala animada e me puxa para dentro de casa de novo.
Quando estamos na cozinha ela me deixa no balcão e caminha até a geladeira como se soubesse onde fica tudo. Provavelmente sabe já que ela é irmã do Salvatore, mas faz meses que eu moro aqui e nunca vi ela. Isso se deve ao fato de ela ter passado anos morando nos Estados Unidos. Eu quero visitar esse país um dia, deve ser lindo e incrível. Quase não lembro nada do meu país de origem.
- Então, de onde você é? - ela pergunta enquanto procura por coisas no armário. Me animo quando vejo ela pegar o pote de café e colocar perto da cafeteira. Estou doida de vontade de tomar café com leite.
- Eu nasci nos Estados Unidos, vim para a Itália aos quatro anos e nunca mais fui embora. - respondo e me sento na banqueta da ilha da cozinha.
- O Salvatore me disse que achou você na rua. - ela fala receosa e eu travo. Eu sei que é uma informação que com certeza ela receberia, ou qualquer um que perguntasse como nos conhecemos, mas traria uma outra pergunta junto: "onde estão seus pais?".
- Sim. - respondo de forma neutra e começo a brincar os veios da ilha de mármore.
- Eu sei que provavelmente você não quer responder o que eu quero te perguntar, eu não te culparia se não quisesse me responder. - ela começa e respira fundo se preparando para a próxima pergunta. - E os seus pais? - suspiro e fecho os olhos quando escuto. Eu não superei o que aconteceu com eles até hoje e até hoje é doloroso falar sobre isso, desde que eu entrei no orfanato eu era quieta e não falava quando me perguntavam sobre os meus pais. Uma freira que atuava como psicóloga no orfanato tentou fazer com que eu me abrisse e isso só causou pesadelos e ataques de ansiedade, desde então ninguém nunca mais tentou entrar no assunto. Mas guardar tudo isso para mim não é bom. As vezes eu tenho pesadelos revivendo aquele dia horrível. Nunca mais comemorei o meu aniversário.
Respiro fundo e tomo coragem para falar.
- Era o dia do meu aniversário. Tínhamos saído para comer fora e comemorar o meu aniversário de quatorze anos. - faço uma pausa e respiro fundo. Meus olhos estão marejados e as palavras vão ficando cada vez mais embargadas conforme eu continuo. - Estávamos voltando pra casa, estávamos rindo e conversando quando um motorista motorista de caminhão que dormiu ao volante invadiu a pista contrária e bateu no nosso carro. - paro novamente e coloco a mão na boca sentindo os espasmos do meu chorro fazerem o meu corpo estremecer. Uma mão pousa nas minhas costas e eu tomo um susto olhando para trás. Salvatore me olha de novo, seu olhar demonstra compaixão e é esse o tipo de coisa que me mata. - Desculpe. - eu sussurro e escondo o meu rosto com as duas mãos chorando de vez. Os braços de Salvatore me rodeiam e eu sinto ele fazer carinho nos meus cabelos.
- Por que você foi fazer uma pergunta dessas pra ela Anna? Sabe que esse assunto é delicado. Eu mesmo nunca perguntei por saber que era difícil pra ela, porra! - Salvatore ruje irritado e eu o olho espantada. Foi a primeira vez em muito tempo que eu o vi sendo grosseiro ou mesmo falando palavrão.
Anna abaixa a cabeça em derrota e solta um suspiro. Quando volta a olhar para nós seus olhos transbordam culpa e arrependimento.
- Você tem razão, irmão. Desculpe Mel, desculpe de verdade. Não é da minha conta e eu não deveria ter perguntado. - pede com a voz falha e eu vejo que ela também quer chorar. Seu olhar e expressão demonstram toda a culpa e arrependimento que ela está sentindo agora. Eu sei que ela não perguntou isso na intenção de me machucar ou me fazer reviver momentos ruins, ela estava apenas curiosa sobre o meu passado e, a pesar de machucar, é uma coisa a qual eu deveria contar, guardar pra mim só torna pior.
- Você só estava curiosa. - falo depois de me recompor um pouco. Suspiro e tento limpar o meu rosto das lágrimas que estão começando a secar. Respiro fundo tentando me acalmar mais um pouco e coloco a minha mão em cima da de Salvatore que está pousada na minha cintura.
- Após isso eu fiquei meses no hospital. Minha mãe morreu na hora e meu pai ficou dois meses em cima antes de morrer. Eu fiquei gravemente ferida e mesmo depois de me curar eu ainda fiquei alguns meses me recuperando pois não conseguia caminhar bem, demorou muito tempo até eu conseguir caminhar de novo. - respiro fundo para me acalmar até sentir o choro que estava vindo a tona novamente retroceder.
- Eu sinto muito, Mel. - Anna fala com a voz embargada e toca o meu ombro. - Isso deve ser muito difícil, nem imagino que você sente ou deve ter sentido. - ela respira fundo e olha nos meus olhos com determinação. Seu olhar me transmite força e confiança. - Agora você tem a nós, Mel. Agora você é minha irmã e nós somos uma família. Nunca vamos te abandonar. - Sorrio emocionada e coloco a minha mão em cima da sua que está no meu ombro.
- Obrigada. - ela sorri e me abraça. Suspiro sentido todo o conforto desse momento. Nunca pensei que iria encontrar isso dentro da casa de um mafioso, alguém que eu costumava temer somente de ouvir a mensão do seu nome nas ruas. Ele foi a pessoa que mais me fez bem durante todo esse tempo em que eu estava sozinha. Mesmo quando eu tinha medo ou o rejeitava ele continuava sendo paciente e fazendo apenas o bem para mim. Nunca pensei que estar com um mafioso e fazer parte da famiglia seria tão bom.
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Nas mãos de um mafioso
Roman d'amourSabe aquele momento em que você está no fundo do poço e acha que a sua situação não pode piorar? Pois bem, me deixe dizer que na verdade você pode cavar para ir ainda mais fundo. Eu já estava morrendo de fome, largada na rua sem ninguém para me ajud...