E os dias foram se passando e o castigo acabando, até que fomos liberados. A história do acidente percorreu aquele condomínio como um raio. Todos os lugares que íamos, as pessoas vinham até nós querer saber sobre o acidente. O Murilo, que até então era o "vilão" da história, passou a ser considerado o herói que me salvava. Sem falar na história sobre o "Bortolozzo" que ele contara. O apelido colou tanto que toda a galera, incluindo os porteiros, seguranças, o pessoa da limpeza, os pais dos meus amigos, estavam me chamando pelo novo apelido.
"Era estranho um dia ter um nome e no outro ser chamado por outro, mas fazer o que? Apelido a gente não escolhe!"
Só que mesmo após o castigo terminar, o Murilo voltava a se trancar em sua casa. Passava boa parte do dia para estudar para passar no concurso do I.T.A. Quando ele estava prestes há completar 19 anos, chegou à mensagem que ele conseguira a tão sonhada carreira militar. Lembro-me como se fosse hoje o dia que nós recebemos a notícia. Eu estava sentado, comendo minhas famosas paçocas e assistindo meus amigos jogarem futebol quando ele apareceu com um envelope branco e timbrado. O rosto moreno dele estava branco que nem um fantasma e, sua expressão, era de alguém que fosse vomitar a qualquer instante. Engoli a paçoca goela abaixo e voltei minha atenção a ele.
- Eu não quero abrir – disse sentando ao meu lado – se eu não passar Bortolozzo, meus pais me matam – disse com a voz trêmula.
- Murilo, você é o cara mais "nerd" que eu conheço. Quando foi a última vez que você tirou um 9,0 numa prova? – perguntei o fazendo ficar pensativo por um tempo.
- É que dessa vez está valendo meu futuro – ele disse com a voz ríspida.
- Eu sei!
- Abre para mim Bortolozzo – ele mandou, jogando o envelope no meu colo.
- Nunca! – disse jogando no seu colo novamente, como se fosse uma granada prestes a explodir.
- Para de ser veado – disse ele devolvendo o envelope para mim.
Eu engoli seco. Não queria dar uma notícia ruim para ele. Se tinha alguma coisa chata nesse mundo, eram as crises de ciúmes Murilo, quando ele ficava ansioso. Pois, além de ficar insuportável – onde ficava horas desmerecendo a si mesmo. O colocando para baixo. Dizendo ser a pior pessoa do mundo – eu tinha que ficar horas paparicando-o para acalmá-lo. Respirei fundo e rasguei o envelope grande, tirando uma carta timbrada. Li atentamente a primeira página, mas só tinha baboseira de burocracia.
"Será que era mesmo a carta com o resultado?" – pensei.
Quando estava prestes a desistir, avistei o resultado no rodapé. Li umas duas ou três vezes para ter certeza do que estava lendo.
"APROVADO!" – pensei soltando o ar dos pulmões.
- Que foi Bortolozzo, quer me matar? – gritou bravo comigo, lembrava até um Pitbull raivoso latindo.
- "É com grande prazer que anunciamos que o senhor Murilo Rafael Garcia, foi aprovado no exame do Instituto Tecnológico de Aeronáutica, I.T.A., no curso de Engenharia Aeronáutica" – quando acabei de ler a carta ele estava em choque – Viu seu besta? Eu disse que você ia passar – disse dando um abraço bem apertado – E olhe aqui, esta dizendo que foi em 2º Lugar! – disse o abraçando novamente.
Todos os garotos que estavam jogando futebol na quadra, pararam o que estavam fazendo e ficaram olhando aquela cena de novela.
"Imaginem, dois garotos rindo e se abraçando? Da para se ter uma ideia de como fomos zoados?"
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MEU CORPO É MUITO PESADO!!!
RomanceHistória de um garoto chamado Alan Bortolozzo, que vai descobrindo ao longo de sua vida, como se aceitar, como viver sendo homossexual, como ser aceito, como ter amigos que o apoiam, como ser recebido pela família e, o melhor, como é possível haver...