Aquele garoto que no início eu achava bobo foi se tornando pertinente para minha vida. Quando ele estava perto, eu ficava bem, pois preenchia o buraco que o Murilo havia deixado. Aquelas lembranças que eu tinha do Murilo ao ouvir musicas, filmes ou conversas bobas, perto do Burro elas desapareciam. E como ele tinha o poder de "tapar esse buraco", eu não queria mais sair de perto dele. Quando percebi, já éramos fundamentais um para o outro.
"Agora, eu poderia dizer de peito aberto que tinha encontrado meu melhor amigo, meu irmão e cada dia mais ficávamos mais íntimos, ou seja, ficamos inseparáveis."
Para minha felicidade, ele tinha apenas os hábitos bons do Murilo. Ele era super companheiro, atencioso, carinhoso, adorava conversar até cansar e isso me deixava feliz. Eu era o cara do temperamento estourado e ele era o amigo que sempre "apaziguava" as coisas.
No caso do Murilo, se eu ficasse bravo com algo, ele logo queria ir lá e bater na pessoa que havia me deixado puto. Ele literalmente tomava minhas dores. Não apenas tomava, ele devorava minhas dores e se deixava dominar com a raiva junto a mim. Já o Burro era tão calmo que, às vezes, me dava nos nervos. Se acaso eu ficasse bravo, ele simplesmente me olhava e ficava soltando aquele sorriso bobo de sempre, até eu não aguentar mais e começar a rir junto. Ele não gostava de me ver bravo. Dizia que isso estragava nosso dia e ele não queria perder um dia inteiro de risadas por causa de besteira. Perguntava-me "Como alguém pode ser tão despreocupado com as coisas?". Eu juro que, às vezes, eu queria que ele gritando comigo quando eu brigasse com alguém. Queria que ele sentisse o que eu sentia quando estava com raiva, mas não, ele sempre passava a mão na cabeça e dizia que não queria me ver daquela maneira. Tratava-me como uma mãe trata o filho quando o vê nessas condições.
Como o Burro começou uma rotina intensa de treinamentos de futebol, logo eu precisei fazer algo para me ocupar, escolhi fazer Kung-Fu. Eu ia todos os dias à tarde no clube da cidade para treinar e, como o Burrão não conseguia ficar longe de mim, ele logo entrou na mesma turma que eu. Se destacando, sempre, no quesito agilidade. Dois anos mais tarde, o Burro com 14 anos e eu 16 anos, precisou sair do time de futebol de campo e passou para o society – a mesma categoria do meu irmão – e começou a trabalhar para conseguir as suas coisas.
- Tipo, você tem grana pra caralho, joga bem futebol, tem tempo suficiente para treinar, mas, ao invés disso, prefere trabalhar.
- É a cultura do meu povo trabalhar cedo Alan – disse o Burro com o português impecável.
Dois anos de aulas práticas comigo foram suficiente para ele aprender a falar português corretamente. Isso, sem falar no inglês impecável. Aquele Burro caipira, hoje se transformou numa máquina da cidade. O ano de 1998 foi o ano do filme "Titanic". O ápice de inglês do Burrão se deu quando todo mundo sabia cantar "My Heart Will Go On" da Celine Dion e ele não. Foi aí que, sozinho, ele aprendeu a cantar a música inteira, com a dicção perfeita, como um verdadeiro americano. Nos meus 16 anos eu poderia frequentar matinês nos clubes, porém, como meu melhor amigo ainda não tinha atingido a idade mínima para entrar, eu ficava no condomínio aos finais de semana com ele. Durante a semana ele entregava panfletos no semáforo ao lado do Shopping.
- Você poderia trabalhar comigo. Lá eles pagam R$ 10 reais por dia – disse ele com aquele sorriso.
- R$ 10 reais? – repeti sorrindo.
"Para vocês terem ideia, os R$ 10 reais da época, equivale a uns R$ 50 reais hoje."
Comecei a trabalhar com ele entregando panfleto. Não era nada que eu pudesse me orgulhar. Sempre que aparecia alguém conhecido, eu tratava logo de sumir.
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MEU CORPO É MUITO PESADO!!!
RomantiekHistória de um garoto chamado Alan Bortolozzo, que vai descobrindo ao longo de sua vida, como se aceitar, como viver sendo homossexual, como ser aceito, como ter amigos que o apoiam, como ser recebido pela família e, o melhor, como é possível haver...