Vilã ou heroína

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Há coisas que mesmo que quiséssemos ignorar não conseguiríamos, olhando o nome do meu irmão brilhar no visor de meu celular eu como todas as outras vezes no decorrer desse último mês me pergunto se deveria atender.

Eu o amo, não estou arrependida por nada que fiz por ele e para ser sincera, eu estava falando a verdade quando disse que de fato, cada escolha que eu tinha feito até hoje era em pró da minha própria sanidade mental, eu não saberia se conseguiria suportar a dor de perder meu irmão para esse mundo e por isso preferir e prefiro encarar esse caos todo.

Escolheria tudo novamente mas o fato de amar ele e não querer que ele sofra não muda o fato dele ter escolhido aquele homem ao invés de mim, a certeza de que ele teria virado as costas para mim se eu não tivesse dito tudo que sabia rodeia minha cabeça toda vez que falo com ele, a ferida que aquela noite causou em mim ainda é muito recente e dolorosa.

Ele parece desistir quando desliga a chamada e eu sem conseguir deter solto um suspiro de alívio fazendo Dimitri me olhar com curiosidade e um ar de questionamento

- Problemas tão cedo coração?

Encho um copo com suco de laranja e bebo antes de me levantar e colocar tudo que sujei na máquina de lavar-louça

- Parece que problemas me seguem como um carma desgraçado.

Ele olha para mim com um olhar que diz "eu te entendo perfeitamente"

- Você tem alguma pista sobre quem é esse tal de dragão ?

Já tinha depositado tempo para caralho me fazendo a mesma pergunta

Quem poderia ser?

Mas um absoluto vazio é oque consigo, eu não faço a mínima idéia de quem seja e ao movimentar levemente minha cabeça negando Dimitri apoia o queixo nas mãos e me estuda

- Você deve ser a vilã na história dele!

Talvez eu realmente seja ou não

- Se eu sou a vilã ou não depende da perspectiva do narrador que conta a história.

Faço uma pausa para olhar meu celular que volta a vibrar novamente, o nome Kevin ilumina a tela e eu volto a ignorar

- A mesma história que ele contar pode ser contada por outra pessoa e eu possa ser a heroína dessa outra versão.

Ele parece considerar oque eu disse

- Como por exemplo?

Merda esse celular não vai parar de vibrar?

- A anos atrás eu matei um homem, eu fui em uma boate com o Clark em seu aniversário e quando saímos presenciamos uma tentativa de estupro, e eu estava com algumas dose de álcool a mais na veia para se quer perceber que estava matando o homem, foi a primeira vez que eu percebi o quanto matar estava presente em minha rotina ao ponto de eu nem ligar ou me assustar uma vez que eu já tinha feito.

Dimitri concerta a postura e me olha atentamente, prestando atenção em cada palavra que sai da minha boca e aquilo, estranhamente eu gostei daquilo

- O homem que eu matei tinha uma filha e, na versão da filha do estuprador eu sou a vilã mas, na versão da menina que eu salvei eu sou a heroína.

Fecho os olhos com raiva ao sentir o celular vibrar novamente e por pouco não jogo ele na porra da parede mais próxima.

Ele me joga para escanteio quando bem quis e depois que viu a merda que fez resolveu se passar de irmão do ano presente e toda essa merda? Para um inferno com seu arrependimento.

- Quer dizer que alguns dos vilões são só incompreendidos?

Foi oque eu quis dizer?

- Oque estou querendo dizer é que ninguém sabe realmente toda história, sempre escutam um lado só e é oque eles preguiçosamente decidem está certa oque na maioria das vezes é a versão dos " mocinhos" ninguém nunca parou para ouvir um vilão, pelo menos não para ouvir realmente o que ele tem a dizer.

Ele leva a mão ao queixo alisando sua barba e o movimento junto com sua expressão pensativa e séria é muito sexy

- Nunca tinha parado para pensar sobre isso, e agora ouvindo você falar, você tem está fodidamente certa coração.

Ele olha para meu celular que eu seguro com força na mão e franze o cenho

- Quer que eu atenda para você?

Nego com a cabeça respirando fundo

- É um problema para ser resolvido depois, não sei se atender agora seria o certo.

Desbloqueio o celular e resolvo enviar uma mensagem de texto

Kevin:

Eu: Aconteceu alguma coisa?

Kevin: Gostaria de conversar com você.

Eu: Estou um pouco ocupada agora, retornarei logo que consiga.

Kevin: Você ainda me odeia?

Eu: Ódio é algo muito radical para descrever, considere um tanto chateada.

Kevin: Eu já pedir desculpas

Eu: Um pedido de desculpa apagará oque você fez? Como disse estou ocupada, retornarei quando conseguir. Fica bem!

Bloqueio o celular e sento novamente no banco ao lado de Dimitri

Ficamos em um silêncio confortável até que ele resolve quebrar

- Você está bem?

Olho para ele e me perco naquele azul tão intenso e profundo

- Acho que nunca estive realmente bem, pelo menos não que eu me lembro.

Algo que está fazendo eu entrar em alerta é o fato de parecer certo manter ele perto, certo deixar ele se aproximar e me ver realmente

É estranho o fato de algo em mim gritar que logo precisarei dele mais do que eu algum dia ache que irei conseguir assumir em voz alta e a angústia que faz meu estômago embrulhar faz algo em meu interior se agitar, algo profundo de mais, bem no fundo da escuridão que habita meu ser.

Não confie em ninguém.

A frase, as quatro palavras ecoa em minha mente e eu me pergunto a razão pela qual eu sinto que eu devo confiar em Dimitri?

Não confie em ninguém.

Por qual razão essa frase está me incomodando muito mais que o normal? Eu já fui ameaçada tantas outras vezes que chega ser impossível lembrar de todas mas dessa vez existe algo diferente, algo que me faz ter certeza que eu irei me quebrar em uma proporção tão grande que será impossível voltar a juntar meus pedaços.

Que os céus me ajudem.

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