Capítulo 5, parte 4

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“He said:
‘Come wander with me, love
Come wander with me
Away from this sad world
Come wander with me’

He came from the sunset
He came from the sea
He came from my sorrow
And can love only me”
[1]

Era tudo tão... onírico... Eu não me beliscaria para saber se era tudo verdade, porque eu sabia que era, mas, vez ou outra, vinha aquela sensação de que era bom demais para ser. Quando dormíamos juntos... Nossa! O sono chegava e eu sabia que ele era o meu outro travesseiro, e que eu poderia abraçá-lo o quanto quisesse, e que, no dia seguinte, quando acordasse, ele seria a primeira coisa que eu veria. E eu estava feliz, mas, ao mesmo tempo, sentia que a qualquer momento aquilo poderia acabar. E eu tinha medo, mas ele nunca soube. Eu precisava aproveitá-lo, como se pudesse perde-lo na segunda-feira seguinte. E ele esteve sempre ali...

Aquele domingo deve ter sido o melhor dia da minha vida, mas ele também nunca soube disso. Quando acordamos, a chuva já tinha ido embora e deixado para trás só o clima fresco. E ao meu lado estava ele, ainda de olhos fechados, não sei se dormindo. Parecia um anjinho. Não sei o que acontece com as pessoas enquanto elas dormem, mas acho que ficam mais bonitas, mais puras. Eu sei que sorri, e, um pouco depois, ele abriu os olhos, e ficamos nos olhando por um bom tempo, sem dizer nada. Acho que nosso silêncio dizia as coisas que nós dois jamais conseguiríamos. E, com o dedo indicador, ele contornou minhas sobrancelhas, a ponta do meu nariz, minha boca, acompanhando com os olhos o movimento do próprio dedo.

Ele não podia estar mentindo. O brilho naqueles olhos azuis profundos e aquele sorriso meio de lado pareciam inundados de sinceridade, e eu me via incapaz de entender o que é que eu fiz para despertar nele tudo aquilo. Pobre de mim; tão ordinário, e ele tão... Eu não sei. É como realizar um sonho de adolescência; um daqueles que te faz sorrir gratuitamente e aceitar que jamais há de se concretizar. Acho que a vida não é justa. Por que agora?

Depois de pouco tempo, a gente se levantou. Não era muito tarde; era só domingo, com aquele sol de domingo, e aquela preguiça de domingo também. Foi um domingo preguiçoso de fato. O que fizemos?... Foi um dia bom. Fomos à padaria, tomamos café, conversamos sobre muitas coisas. Foi como ter voltado ao dia do nosso reencontro. Ficamos horas falando sobre coisas da vida, da História, da Igreja, da família... Ele falou da irmã de novo. Eu me lembro dela. Muito bem, aliás. Era uma menina muito meiga, mesmo. Liam nunca foi. Acho que isso também era algo que me fascinava, mas ele nunca soube — não tanto quanto eu realmente achava.

Mais tarde, fomos andar; andar por aí, só por andar. Não tinha muita coisa para ver, afinal era uma tarde de domingo, mas fomos simplesmente por estarmos um ao lado do outro; sem pressa, sem rumo, sem dor. Apenas passeamos pelo nosso mundo, que era exatamente daquele jeito: inabitado, silencioso. Passamos pelo parque, também; o dia estava favorável. Outras famílias faziam o mesmo com suas crianças.

— Você não tem vontade de ter filhos? ele me perguntou.

Não sei... Não sei se quero deixar rastros neste mundo.

Você pode adotar, ora.

Hum... Talvez. Mas não penso nisso. Ter filhos é meio que um ato de egoísmo; ter algo no mundo pra chamar de seu; legitimamente seu.

Ele não rebateu. Nossas ideias não se alinhavam, às vezes, e acho que era isso que nos tornava únicos. Nossas diferenças eram suplementares, como lacunas alternadas que se interpõem aleatoriamente e formam um todo. Isso: um todo: naquele dia fomos um todo, um só, como nunca antes fôramos. E o Tempo nos dissolveu no dia seguinte, quando ele foi embora. É claro que fizemos outras coisas. Ainda jogamos vídeo game, e ele era bom naquilo; eu jamais conseguiria sozinho. Era engraçado ele tentando me ensinar Inglês; ele tinha um sotaque europeu engraçado. Eu não tinha jeito nem vontade pr'aquilo, mas ele tentou mesmo assim.

Se Eu Tivesse um Coração (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora