Capítulo 7, parte 2

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Sem condições físicas nem emocionais de voltar para casa e continuar fazendo parte da festa, Liam recorreu à única pessoa a quem poderia recorrer: Téo. Quando conseguiu controlar o choro, buscou o telefone do amigo na agenda e chamou.

— Fala, meu brother.

— Téo, cê tá em casa?

O tom pesado fez Téo se preocupar.

— Tô... Que houve?

— Posso ir pr'aí?

— Ih, cara, qual foi?

— Posso ou não?

— Claro que pode, mas me conta o que foi.

— Chegar aí eu te conto.

Desligou antes que o amigo fizesse mais perguntas e o levasse ao descontrole das emoções de novo. Como quem toma um analgésico paliativo, Liam aguentou firme até o momento em que encontrou Téo e foi recebido com um abraço forte, que o fez lavar a alma literalmente.

Levou um tempo para que conseguisse explicar por que chorava tanto. Quando conseguiu finalmente dizer seus motivos, Téo os ouviu em silêncio, sem julgamentos; sabia que o amigo precisava mais de um ombro do que de um sermão. Consolou-o pacientemente, com um afago no ombro e uma garrafa de cerveja. A TV da sala passava programação de Natal, e a ela acabaram assistindo quando o assunto principal se encerrou, bem como o pranto de Liam.

Três garrafas depois, vieram a anestesia e doses homeopáticas de homofraternidade. Téo levou o amigo para dormir consigo na cama quando ambos concordaram que não conseguiriam assistir ao show completo dos Rolling Stones, que a TV paga transmitia. Capotaram juntos, lado a lado, braço sobre barriga, canela sobre canela, como sempre acontecia quando Liam dormia por lá depois de algumas garrafas de cerveja.

Ao amanhecer, uma dor de cabeça de origem duvidosa tomava conta dos nervos. Téo já não estava mais na cama. Liam se espreguiçou e um flash de memória o levou a todas as cenas da noite anterior em poucos segundos. Uma pontada no coração o atingiu, fazendo-o fungar de remorso. Com a mão direita, procurou o celular sob o travesseiro, onde sempre o deixava, mas encontrou o aparelho apenas dentro de seu bolso, notando, pois, que dormira com a roupa do corpo. Procurou no visor por uma mensagem de Noah, ou uma ligação perdida, ou uma centelha de esperança de que ele estivesse melhor, ou que tivesse esquecido, mas nada disso aconteceu: a dor de cabeça e a dor no peito eram suas únicas mensagens—fisiológicas.

Seguiu em direção à cozinha, onde procurou Téo. Ele não estava. Ainda eram dez da manhã; o tempo permanecia ameno; os pássaros cantando timidamente janela afora. De volta ao quarto, Liam tirou a roupa suada do corpo e procurou uma camiseta de Téo no armário para vestir. Sem saber onde o amigo poderia estar em um pós-Natal àquela hora da manhã, foi para a sala e se deitou no sofá, ligando a TV para impedir que os pensamentos começassem a falar. Os desenhos animados davam conta dessa tarefa.

Minutos depois, ele chegou, carregando algumas sacolas. Claro: havia ido à padaria comprar pão para fazer o café. Trocaram um olhar de cumprimento e um sorriso que não tinha ânimo para ser sorriso, mas dizia as palavras que ambos queriam dizer.

— Vai comer?

— Não, não tô com fome...

— Quer café, pelo menos? pra espantar a inhaca?

— Pode ser...

Téo foi para a cozinha, de onde vinha o barulho reconfortante de sacolas sendo amassadas e fogão sendo ligado e alumínio se chocando contra alumínio. A soma de sons aconchegantes à angústia internalizada, que vinha à tona em lapsos intensos intervalados por poucos segundos, trazia uma melancolia densa e demorada, que fez Liam se encolher no sofá em posição fetal.

Se Eu Tivesse um Coração (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora