Capítulo 2, parte 4

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Novamente, aquela mansão; o lar, frio e inóspito, infinito. A passos lentos, ao som dos pássaros que cantavam no extenso jardim, Liam caminhou até a porta de entrada acompanhado pela irmã, que logo se dirigiu ao quarto enquanto o rapaz se demorava por alguns instantes na sala. Segundos depois, foi recepcionado pela empregada que limpava seu quarto no dia anterior ao do acidente.

— Oh! Seu Liam, o senhor voltou!

— Já disse que não precisa me chamar de senhor... Oi.

Desajeitada, a empregada continuou:

— Tá tudo bem com o senhor? Quer que eu prepare um chá, alguma coisa? Quer que eu chame a dona Lilian?

Achando graça do jeito afobado da serviçal, Liam sorriu.

— Qual é o seu nome, mesmo? — perguntou em voz baixa.

— É Leda, seu Liam.

— Liam.

— Desculpa, seu... Liam. Mas, olhe, se precisar de qualq--

— Mas que falatório é esse aqui no meio da sala, Leda? — perguntou Lilian, descendo os degraus da escada de madeira. — Quem está aí?

Ao alcançar a metade do caminho de degraus, Lilian, olhando para o centro da sala de estar, respondeu à própria pergunta:

— Meu filho! Você por aqui!

Vestindo um penhoar magenta com detalhes em dourado brilhante, Lilian se aproximou do filho e o abraçou sem muita pessoalidade.

— Mas o que foi que aconteceu, meu filho? Como é que você foi se meter em briga? Eu já te falei tantas vezes pra você não andar com essa gente...

— “Essa gente” são meus amigos e eles não tiveram nada a ver com o que aconteceu — respondeu Liam desvencilhando-se sutilmente do abraço da mãe. — Eu fui pego de surpresa. Mas já tá tudo bem, não precisa se preocupar; cuidaram direitinho de mim.

— Eu canso de falar que essa vida que você leva só te traz problemas...

— É por isso que se chama minha vida: pra que a senhora não precise tomar conta dela — Liam deu à mãe um sorriso cínico e um beijo na testa. — Vou pro meu quarto, tá? Até mais.

Encerrou o assunto e se dirigiu até seu quarto, impecavelmente organizado. Suspirou fundo e sentiu-se, mais uma vez, livre. Ligou a televisão, tirou a roupa do corpo, deitou-se e pegou o celular. Deu uma olhada breve em suas redes sociais e enviou mensagens a Téo e Nicole avisando que já estava em casa, a salvo. No silêncio do quarto, olhando para o teto branco e liso, Liam percebeu que as palavras da irmã foram certas: uma das poucas diferenças entre o quarto do hospital e o quarto da mansão era o endereço. Naquele dia, até a hora de dormir, Liam só comeria e tomaria banho. O restante do tempo, certamente passaria zapeando infinitamente pelos canais da TV por assinatura, navegando sem rumo pela Internet, talvez assistindo a um filme ou a um show no YouTube ou a um vídeo pornô e nada mais. Sua vida se reduzia ao mundo dos bares e clubes e a seu quarto de mansão, uma realidade quanto à qual talvez os outros estivessem certos em alguma medida: não engrandecia a existência em nada.

Na reclusão daquele dia atípico, a tarde passou como um raio, a noite chegou e se instalou e por ela Liam existiu até encontrar o sono para encerrar aquele ciclo de vinte e quatro horas e iniciar o próximo. Nos lençóis perolados e preguiçosos, o rapaz acordou com os raios do sol da manhã tardia invadindo seu quarto solitário. O cheiro do café vindo da cozinha aqueceu seus sentidos e fez roncar o estômago, convidando-o para se levantar. Após um longo espreguiçar, assim foi feito. Com a roupa de dormir, Liam escovou os dentes e foi até a copa da mansão ainda entre bocejos.

Se Eu Tivesse um Coração (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora