Capítulo 2, parte 2

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Cerca de uma hora depois, a nova enfermeira chegava ao quarto de Liam acompanhada de Evelyn e do médico responsável pelo tratamento do rapaz. Todos o olhavam, parados de pé ao pé da cama, e Liam se sentia um anômalo, um animal exótico em exposição sendo alvo de todos aqueles olhos atentos.

— De acordo com os exames, está tudo relativamente bem — o doutor disse.

— Por que “relativamente”?

— Bom — o médico deu de ombros e ajeitou os óculos no rosto —, por causa da pancada, seu cérebro se chocou contra a parede interna do seu crânio. Em traumas mais graves, isso pode até levar à morte... No seu caso, até agora, pelo menos, não houve sangramento no cérebro, mas é preciso que você fique por aqui por mais alguns dias em observação. Além disso, a cirurgia no seu couro cabeludo foi pequena, mas precisa de cuidados.

— Tá, tá. Quantos dias eu vou ter que ficar aqui afinal? — Liam estava impaciente.

— Pelo menos quatro ou cinco; tudo vai depender do seu progresso.

Cinco dias dentro de um hospital era demais para aguentar. O olhar inquieto do rapaz demonstrava sua insatisfação, e quanto mais o médico falava, mais Liam se convencia de que ter discutido com aquele velho idiota foi a pior ideia que um dia já cruzou sua mente.

— Você não precisa ficar no quarto o tempo inteiro — o médico continuou. — Existe uma área aberta no térreo, perto da capela; você pode ir até lá tomar um ar de vez em quando. Só procure evitar ficar debaixo de sol.

— Eu trouxe o controle remoto da televisão — Evelyn acrescentou. — Sua estadia aqui não vai ser nada muito diferente do que é lá em casa.

Liam escalpelou a irmã com os olhos; os demais riram, incertos de se entenderam o que Evelyn quisera dizer. Eles sabiam que ambos eram irmãos? Por que Evelyn tinha essa mania de contar tudo para todo mundo?

— É isso. Vou deixar você almoçar agora. A gente se fala em breve, sim? Se cuida.

Com um sorriso terno, o médico se despediu e deixou o quarto. A enfermeira foi buscar o almoço; Evelyn permaneceu.

— Falei com o Téo; ele vem hoje à tarde — ela disse, lendo o prontuário do irmão.

Liam meneou a cabeça afirmativamente. Pegou o controle remoto que a irmã ofereceu e ligou a TV, sintonizando o canal de desenhos animados. Os dois não tinham o que conversar; Evelyn não tinha o que dizer que não fosse certeiramente condenatório e Liam não tinha argumentos para se defender do que não queria ter a chance de ser acusado. Dessa forma, o silêncio era a melhor resolução para ambos os lados (mas, no fundo, no fundo, é claro que ele sabia que a irmã estava quase sempre certa).

Finalmente, chegou o almoço, mas com a mesma empolgação com que Liam esperou que ele chegasse, também quis que fosse embora. Aquela sopa... aquela bendita sopa insossa e com sabor de comida sem tempero... Mais pelo menos quatro dias desfrutando daquela comida insípida seria um rito de passagem. Reclamando apenas em pensamento, Liam comeu em silêncio, afinal, apesar de tudo, estava com fome. A enfermeira voltou dentro de quarenta ou cinquenta minutos para recolher a bandeja e deixar Liam cercado de solidão mais uma vez.

À tarde, quando todos os canais da TV já haviam sido visitados à exaustão, Téo e Nicole chegaram, o que fez um suspiro intenso de alívio tomar conta do peito de Liam.

— E aí, cara? — Téo cumprimentou.

Ele e Nicole se aproximaram da cama com todo cuidado, como se Liam estivesse severamente acometido de alguma doença infectocontagiosa. O rosto de Téo denunciava sua preocupação exagerada e os olhos de Nicole brilhavam à distância, de lágrimas. É claro que ver alguém querido sobre um leito de hospital não é a mais divina das visões, mas não era necessária toda aquela comoção.

Se Eu Tivesse um Coração (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora