Capítulo 9, parte 4

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:: RECADINHO NO FINAL DE NOVO! ::

Assim como a Criação, da oferta de Alberto para ser fiador do filho até sua mudança efetiva para o novo apartamento, sete dias se passaram. Durante esse intervalo, porém, nem tudo-ou nada-correu suavemente na vida de Liam. Seguindo a tendência dos dias anteriores, uma série de eventos de mais ou menos importância foi acontecendo.

A primeira coisa que se deu foi a devolução dos objetos de Liam que ficaram na casa de Noah. Veio numa caixa lacrada, que ficou na sala até que algum empregado a levasse até o quarto do patrão. Dentro dela, poucas coisas: alguns jogos de vídeo game, livros, peças de roupa, um par de chinelos, um de tênis, produtos de higiene, nada de muito pessoal. Vendo, tocando, analisando cada um daqueles objetos, Liam se sentia transportado de volta para os momentos em que os utilizara. Profoundelirium... O primeiro jogo que zeraram juntos. Aquela camisa listrada era a que ele usou quando foram ao parque no domingo pela primeira vez. Os chinelos eram os mesmos que acordavam ao lado dos do agora ex-namorado... Aquela caixa estava lotada de lembranças felizes de um passado que não voltaria mais, e trazia ao coração momentos inestimáveis que agora faziam parte da mitologia pessoal de Liam. Por isso, não querendo ter que se lembrar de tudo que se perdeu sempre que olhasse para aquelas coisas, o rapaz decidiu doá-las. Todas. Não queria ter por perto algo que o levasse a um mundo onde ele não mais poderia entrar, onde não era mais bem-vindo. Guardou tudo de volta e pediu a Leda que providenciasse que tudo fosse doado a quem se interessasse.

Naquela mesma semana, voltou ao trabalho. Havia deixado tantas responsabilidades sobre os ombros do gerente do bar que seria justo lhe pagar um extra naquele mês. Crendo piamente na sabedoria popular que acredita que o trabalho é a melhor maneira de se esquecer de um coração partido, Liam voltou às atividades com a maior disposição que conseguiu se injetar. Não costumava passar o dia inteiro no London, mas, naqueles tempos de cinzas, em que ficar em casa na quietude do quarto só trazia más recordações e intenções, passar a maior parte do tempo fora se tornava a primeira e melhor alternativa. Do primeiro cliente a chegar ao último a sair, do balcão de bebidas à administração, ele esteve lá, por toda a parte.

Em um desses dias, Téo apareceu para saber como estavam as coisas. É claro que ele sabia que ainda levaria muito tempo para que a vida um dia se tornasse feliz para Liam outra vez, mas era bom estar por perto para ter certeza de que nada de grave lhe aconteceria. Em matéria de cuidado e proteção, Téo era bastante douto.

Nos dias seguintes, houve na mansão uma representativa quebra de hábito. Liam parou de frequentar as mesas do café, e Alberto parou de dar ouvidos a Lilian, que parou de falar o que pensava durante a refeição. Os ruídos dos talheres eram tudo que se ouvia. Alberto desistira de tentar fazer a esposa enxergar um palmo além de seu umbigo; Evelyn não se defendeu mais das acusações que lhe eram feitas; Lilian preferiu se calar a ser censurada por pensar como pensava. Assim, o ritual matinal perdeu as vozes e se tornou um longo protocolo silencioso e vazio de significado, a ser cumprido porque sim. Reunir aquelas três pessoas para se alimentarem juntas não significava mais absolutamente nada. Quando os estômagos estavam satisfeitos, cada um se dirigia para seus afazeres e a cena era desfeita com uma facilidade ridícula.

Leda era quem levava o café da manhã no quarto para Liam. Estava animada com a mudança do patrão e sentia que seria mais feliz trabalhando com ele do que com os pais dele. O fato de não ser mais necessário o uso daquele uniforme de novela das nove já era mais do que motivo para se alegrar. Com o dinheiro que receberia de seu acordo, que Alberto se dispôs a fazer de bom grado, sabendo para onde a funcionária estaria indo, ela conseguiria fazer uma boa reforma em sua casa e guardar um pouco para a viagem que queria fazer à praia quando tirasse férias.

Lilian foi quem mais se desagradou da mudança da empregada. Sentia que Liam estava a roubando para si, mas, incapaz de se comunicar com o filho, ela não protestou, ao menos não com ele. Depois de sua reação à descoberta do findo relacionamento do filho com Noah, perdeu a voz dentro da mansão. A princípio, perderam o interesse em ouvir o que ela tinha a dizer sobre esse assunto; em seguida, perderam o interesse em ouvir o que ela tinha a dizer sobre qualquer coisa; e, aos poucos, Lilian foi se tornando uma flor murcha e recolhida, que não voltaria a ter suas pétalas apreciadas enquanto insistisse no erro, na intransigência, enquanto nutrisse aquela mentalidade elitista, esnobe, de aparências. Estava sozinha nessa jangada, mas não percebia que só ela se importava com o que os outros pensariam da imagem do banco, da família, dela mesma. Ela mesma: era com isso que Lilian se importava de verdade.

Se Eu Tivesse um Coração (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora