Capítulo 8, parte 1

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No London estava tudo muito bem: nenhuma surpresa boa ou ruim durante a ausência de Liam. Na mansão, a surpresa foi Lilian reclamar da indelicadeza do filho na noite do réveillon: onde já se viu desejar feliz ano novo por mensagem de texto? Além disso, até quando ele iria insistir nesse hábito estúpido de evitar as comemorações da família para sair com os amigos, mesmo que o da vez tenha sido Noah, que era um anjo? A resposta para todas essas perguntas foi um levantar de sobrancelhas impaciente, daqueles seguidos de um bufo comprido, que Lilian já cansara de receber do filho. Alguns costumes ela ainda precisava aceitar que ele não abandonaria tão cedo.

Depois veio o encontro com Téo, que estava deveras curioso para saber como sucedera o encontro com os sogros do amigo na mui pacata cidade de Magnólias. Poderia ter sido melhor, como Liam disse, mas houve momentos bastante eternos naquele mundo livre do mundo, sem celular, sem internet, sem ligações, sem nada além do corpo presente e do calor humano certeiro.

— Que sorte a desse cara, hein? — Téo observou. — Os pais dele são exatamente o oposto dos seus.

Liam concordou com a cabeça; e, quando teve algum tempo e algum silêncio para processar sozinho tudo que vivera nos últimos três dias, constatou que a observação de Téo era cem por cento verdadeira. Lembrou-se do momento em que se sentaram nos sofás para ver as fotos da infância de Noah e de que Inácio o abraçava o tempo todo, e se deu conta de que já nem se lembrava quando havia sido a última vez que abraçara Alberto. Poderia ter sido nesse réveillon que não aconteceu, talvez. Em seus aniversários, ganhava presentes, mas nunca abraços. Nos aniversários do pai, deixava-lhe um cartão sobre a mesa do escritório e só. Da mãe recebia cumprimentos muito artificiais. Foi criado com pouca afetividade e muita cobrança e expectativa — da mãe, especialmente —; acabou passando pela vida sem conhecer, sem sentir na pele o que era uma família de verdade. Menos, ainda, que isso: não soube ao certo o que era ter amor de pai e mãe. Noah, sim, era um cara muito sortudo.

A última a receber uma visita foi Nicole, que havia acatado a sugestão do namorado e ido passar um tempo com os pais. Encontraram-se na casa da moça antes do anoitecer. Depois da recente sucessão de eventos, em especial a viagem, era impossível olhá-la com os mesmos olhos; ver seu sorriso sincero e não se lembrar de que tinha uma dívida de honra com ela e com Noah. Havia dado sua palavra afirmando que terminaria com ela, e fitava seus olhos amendoados tendo em mente o complexo processo de seleção das palavras que usaria para fazer aquilo. Não era um pensamento fácil nem agradável, especialmente considerando as reações possíveis, que não eram boas em nenhum cenário.

Ela perguntou de Noah, é claro, e a resposta precisou ser medida mais de uma vez. Falar do amante para a namorada era tarefa delicada. Para piorar um pouco o que parecia impiorável, Nicole se mostrava bastante interessada pelo rapaz, sugerindo que Liam o convidasse para sair com eles de vez em quando.

— Não sei, o Noah não é de sair, de beber, essas coisas.

— Nada a ver, ué! A gente se encontra lá no London mesmo e ele toma o que ele quiser.

Não era fácil argumentar; o assunto terminou em um "Tá bom, vou falar com ele". E num dos dias seguintes a esse reencontro com Nicole, conversando com o dileto ao telefone, Liam trouxe a ideia da moça à discussão.

— Que péssima ideia, hein, bê?

— Por quê?

— Porque eu não quero fazer amizade com a sua namorada?

— Vocês não têm que ser amigos... Não sei, pensei que seria uma forma de a gente não precisar se esconder tanto... mas foi só um pensamento.

Noah bufou.

— Olha, se eu não te conhecesse tão bem, eu acharia que você faz isso de propósito.

Se Eu Tivesse um Coração (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora