Capítulo 8, parte 4

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Ir a Téo foi a primeira coisa em que Liam pensou, mas não parecia o mais certo a fazer. Permaneceu parado naquela vaga quieta por muito tempo com a cabeça encostada sobre o volante. O que Nicole disse o atingiu com uma violência que ele não previra. Sentiu finalmente o peso de suas escolhas de um ano para cá, e finalmente teve a revelação de que o que fizera com a agora ex-namorada era gravíssimo. Enganou-a elaboradamente por todo esse tempo, a despeito de toda a dor de que poderia tê-la poupado se tivesse sido honesto desde o início. Arrependia-se e sabia que seu erro era irreparável, que teria a perdido de uma vez por todas; e saber disso era como perder não apenas Nicole, mas uma parte de si, afinal foram sete anos, não sete dias de sua vida que passou ao lado dela. Nicole era parte de si, uma parte que Liam negligenciou e não soube cuidar e adoeceu, e agora morria.

Pensou em ir a Noah dar a notícia... mas havia planejado fazê-lo de maneira tão diferente! Não poderia imaginar que Nicole passaria no London no momento errado, na hora errada e flagrado o único lapso de intimidade que os dois rapazes tiveram. Um minuto mais cedo ou um minuto mais tarde e nada disso teria acontecido. Se ele tivesse contado antes... Se tivesse contado antes... Ela estava certa: Liam foi covarde; ele foi covarde e sabia disso, e agora punia-se com sua consciência por não ter feito tudo que deveria fazer. Fora injusto com a namorada, com Noah e consigo mesmo; tinha, dali em diante, que consertar os erros consertáveis e parar de errar, na medida do possível.

Acabou não indo para o London, aonde iria antes de Nicole telefonar. Voltou para casa e se trancou no quarto, onde ficou o resto da noite lidando consigo mesmo. Embora a ansiedade pedisse que ele dissesse a todos os envolvidos nessa situação que agora ele e Nicole não estavam mais juntos, conteve-se e não falou nada a ninguém, pois não estava disposto a participar das conversas que surgiriam nem de dar as satisfações que teriam de ser dadas. Permaneceu deitado sob o edredom, com a luz do quarto apagada, mas os olhos abertos, pensando em tudo que viria a seguir. O que viria a seguir? Estava solteiro, afinal, e existia Noah; ele deveria assumir seu relacionamento com Noah. Mas como fazer isso? Não sabia o que esperar do pai, não sabia o que esperar da mãe, não sabia o que esperar dos outros, da família, dos conhecidos, da sociedade. Não que, sendo branco-dos-olhos-azuis e herdeiro de um império, ele fosse enfrentar grandes preconceitos, mas, de todo modo, assumir um relacionamento homossexual, especialmente dentro da sociedade familiar, seria um marco miliário. Quantos outros homens gays não-declarados poderiam existir nos Meirelles Prado e demais ramos da árvore genealógica? Quantos desses jamais assumiriam suas preferências por medo das reações? Alberto vinha sendo camarada ultimamente, mas nada garantia que um filho gay mudaria o cenário—e dizer "Eu não sou gay, pai, eu sou bi" mudaria pouca coisa, especialmente porque a paixão por Noah não deixava espaço para qualquer rastro de interesse sexual por outra criatura, fosse homem ou mulher; e, sendo Noah um homem, "Eu sou gay" seria a afirmação mais coerente para os interlocutores mais rasos. Mas foram quase trezentos e sessenta e cinco dias de esconderijo; quase um ano de entrega pela metade, de amor de segunda a quinta, de mentiras e escapadelas. Ele tinha o direito de ter Liam por inteiro, sem condições, e Liam queria oferecer isso a ele... Mas o futuro breve parecia tão assustador...

A teia do pensamento não gerou nenhum fio de resposta definitiva. Cansado de pensar, o cérebro de Liam lhe deu trégua e ordenou um cochilo, que veio em boa hora. Emocionalmente exausto, o jovem perturbado não sonhou; quando acordou, foi como se tivesse fechado os olhos e aberto dois segundos depois. A respiração estava pesada e o peito, vazio. Não eram ainda dez da noite. Tendo levantado apenas para ir ao banheiro e comer alguma coisa, Liam permaneceu na cama acompanhado apenas de seu celular. Procurou o dileto por mensagem de texto.

[21h56] Liam: Bê?

[21h58] Noah: Oi

[21h59] Liam: Como cê ta?

Se Eu Tivesse um Coração (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora