Se Eu Tivesse um Coração (romance gay)

Capítulo 12, parte 2

Os dois dias restantes foram menos problemáticos. Inácio voltou pela manhã para trocar de turno com Liam e, desta vez, este pôde dizer que tiveram a chance de conversar, embora o diálogo não tivesse sido o mais produtivo possível. Inácio, que, bem como Liam, conhecia o filho que tinha, sabia que o insucesso era uma possibilidade, e advertiu o ex-genro que a reação de Noah era passageira, que ele passara por um estresse muito grande por causa do infarto e que logo logo voltaria a ser o rapaz dócil que sempre era.

Quando questionado se conversaram sobre o relacionamento deles, porém, Liam se deu conta de que não tocaram nesse assunto. Não falaram em reatar o namoro, não questionaram se existiam outras pessoas em suas vidas, não discutiram seus sentimentos nem a relação que não mais existia; ficou em aberto essa questão, que, embora muito interessasse a Liam, não parecia ser a mais importante naquele momento; outras coisas tinham de ser discutidas. Uma delas, que muito-e sem motivos-preocupava Inácio era a conta do hospital, que o plano de saúde de Noah não cobria integralmente. Quando respondeu que não deviam se preocupar com isso, que Liam ele mesmo arcaria com as despesas, o rapaz ainda não sabia que Evelyn já havia se responsabilizado pelos gastos e tomaria conta de tudo.

Noah, é claro, chiou com a notícia. Se havia uma coisa que ele detestava era que pagassem suas contas, fosse Liam, seus pais ou, pior ainda, Evelyn. O resmungo piorou ainda mais quando Alberto, depois de ser informado em detalhes sobre o que se passava com Noah e o que significava toda aquela história estranhíssima envolvendo seus filhos e o rapaz, foi lhe fazer uma visita e também se dispor a buscar médicos mais especializados, que pudessem oferecer recursos mais modernos ou qualquer alternativa que pudesse tornar sua vida mais saudável. Enfático até mesmo com o ex-sogro, Noah garantiu que já fizera tudo que estava ao seu alcance e que o Santa Maura era referência nacional em Cardiologia: se a solução não estivesse lá, não estaria em mais nenhum lugar. Quando questionado sobre um transplante de coração, com toda sua astúcia e seu poder discursivo, o jovem adoentado conseguiu driblar até o presidente do Zênite e sair do assunto sem uma resposta definitiva.

Sobre isso Liam ainda teria de questioná-lo-e, ao contrário do pai, não se deixaria sair desse tópico sem uma justificativa plausível, ou, ainda mais, sem convencer o parceiro de que nenhuma justificativa era justa o bastante para descartar a hipótese do transplante, nem mesmo o grau de risco da cirurgia! Mas esse diálogo também seria postergado à medida da necessidade.

Seis dias de internação depois, Noah recebia alta. Rita, Inácio, Liam, Evelyn, Alberto, todos estavam presentes no momento da despedida, que parecia mais uma comemoração do que qualquer outra coisa. Não houve disputa para saber quem o levaria para casa: Liam era o favorito e Noah não recusou a oferta (desnecessária) da carona. Rita e Inácio se despediram com longos beijos e abraços do filho e prometeram tentar voltar a Taigo assim que fosse possível; a Liam, desejaram boa sorte e agradeceram incansáveis e incontáveis vezes por tudo que ele fizera e decerto ainda faria. Desfazendo-se das demasiadas gratificações, ele garantiu que cuidaria bem do rapaz e que ficaria de olho na saúde dele. Alberto, mais uma vez, se dispôs a ajudar no que fosse necessário para mantê-lo confortável e Evelyn, como na maioria das vezes, preferiu se calar-embora, desta vez, ela fosse de fato culpada pelo que ocorreu: se tivesse cumprido o acordo e mantido o sigilo da tramoia, Liam jamais teria descoberto sobre o infarto e os últimos dias teriam transcorrido de maneira bem diferente daquela.

Apreensivos, felizes e, de alguma forma, esperançosos apesar de tudo, foram todos embora, cada um para seu destino: Inácio e Rita para Magnólias, Evelyn para seu consultório, Alberto para o banco e Liam e Noah para casa.

Dentro do carro, continuaram fazendo valer a lei do silêncio que estabeleceram na primeira tarde de conversa, que provia a Harmonia superficial que se perdera entre eles depois de três meses de distanciamento. Não estavam de mal nem realmente brigados, mas cientes de que os diálogos estavam levando a caminhos belicosos.