Capítulo 10, parte 4

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Após esse episódio, estabeleceu-se, então, mais um ponto de encontro entre os vizinhos: seus corações partidos e seus partidores. Já não mais conversavam sobre jogos eletrônicos e tecnologia: agora falavam sobre saudades, sobre as boas memórias que tinham de seus diletos, sobre a crueldade da vida, sobre a dureza de se apaixonar e amar quem não nos ama tanto quanto, sobre como seria melhor se amar fosse opcional. Diálogos sempre muito tristes, que aconteciam em momentos distintos do dia, geralmente na volta para casa, nas madrugadas em que retornavam do London, ou no silêncio de seus quartos, na intimidade do Facebook e das mensagens privadas, cheias de reticências e frases curtas, que conferiam ao texto um tom ainda mais lastimoso. Mas não eram tristes o tempo todo, não: falar sobre seus passados de ouro era uma espécie de terapia às avessas; ajudava a curar, a tirar do peito. A combinação foi deveras providencial, diga-se: Liam tinha a quem falar sobre Noah e Artur tinha a quem falar sobre Beatriz, assuntos que eram de conhecimento público, mas que ninguém realmente gostava de ouvir, seja pelo motivo triste, seja pela falta de haver o que dizer para amenizar a dor, seja pelo desagrado de ser ouvinte de algo que não lhe diz nenhum respeito. Eram, os dois, válvulas de escape um do outro.

As válvulas funcionavam. O aperto no peito, o nó na garganta, a sensação de injustiça iam, pouco a pouco, dia a dia, amenizando. Já não era impossível olhar uma foto de Noah sem ser carregado por pensamentos sufocantes que, há dias, eram os únicos que cruzavam a cabeça confusa. Liam conseguia, agora, sentir sopros de felicidade em meio a um limbo de lamúria e isolamento.

E foi num desses sábados de bem-aventurança que se deu um episódio bastante peculiar. O final de semana vinha sendo ótimo até aquele momento. Na tarde da sexta, Liam e Nicole se encontraram para comprar ingressos para a sessão de cinema que pegariam no domingo; Nicole com Túlio, Liam com Téo: o casal-de-não-casal. À noite, Alberto apareceu no London e passou a noite com o filho, pois no domingo, quando costumava fazer suas visitas, teria outros afazeres. No sábado de manhã, Leda chegou para tirar o patrãozinho da cama e arrumar seu quarto, que estava uma zona. Depois, preparou um estrogonofe de comer ajoelhado, com o qual Liam se empanturrou até o arrependimento. No mesmo dia, ele voltou do London no início da madrugada. Estava levemente alcoolizado, mas perfeitamente capaz de discernir tudo em seu redor, de andar sem tropeçar, de não falar bobeiras; estava alegrinho, no melhor sentido da palavra.

Quando chegou ao 601 e ligou o laptop, uma mensagem não lida de Artur no Facebook:

Artur Amaral, 01:04: ta ai?

Enquanto trocava de roupa, Liam respondeu:

Liam Prado, 01:48: to, acabei de chegar

Artur Amaral, 01:49: conheci uma menina, cara — a resposta veio quase imediatamente.

Liam Prado, 01:51: sério? da hora hein

Artur Amaral, 01:54: sim, a gente saiu hj, foi muito bom

Liam Prado, 01:56: ce ta em casa?

Artur Amaral, 01:58: to

Liam Prado, 01:59: vem aqui me contar essa historia entao

Artur Amaral, 02:02: blz

Cinco minutos depois, lá estava ele. Tarde demais para colocar os colchonetes na sala, Liam convidou o amigo para se deitar ao seu lado na cama—nenhuma novidade eles dividirem o mesmo espaço estofado; apenas meio metro de distância do chão e muito mais conforto de diferença. Ajeitaram-se e puseram os olhares sob o teto como sempre faziam. Estavam ambos risonhos além da conta, por motivos bem diferentes.

— Quem é a doida? — Liam começou.

— Chama Paula, conheci na faculdade dia desses, por acaso.

Se Eu Tivesse um Coração (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora