Capítulo 9, parte 5

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Na primeira semana que passou morando no prédio, Liam não soube se tinha vizinhos. No apartamento ao lado, não se ouvia nenhum tipo de barulho, fosse de conversa, briga, aparelhos eletrônicos, nada; um silêncio absoluto. Como também era extremamente silencioso, o próprio também julgou que, se houvesse vida no número 602, eles da mesma forma provavelmente não saberiam que havia vida no 601.

Isso mudou por acaso. Certo dia, Liam voltava para casa depois de ter saído para fazer serviços de banco. Estacionou em sua vaga e caminhou devagar até o bloco D, onde um rapaz acabava de entrar no elevador. Correu para não perder a carona e agradeceu por o moço tê-lo esperado. Quando olhou o teclado numérico no metal cinza-chumbo, o número 6 já estava pressionado.

Dando-se conta de que aquele decerto era seu vizinho, Liam o analisou de soslaio e pelo reflexo do espelho do elevador. Eram mais ou menos da mesma altura—o rapaz, um ou dois dedos mais baixo—, lábios rosados, barba cerrada, magro, mas não muito. Vestia uma camisa xadrez azul e branca, calça de sarja, sapatos mocassim e uma bolsa estilo carteiro. Olhava fixamente para o chão segurando o pulso em frente ao corpo. Ao apitar do elevador, saiu do cubículo antes de Liam. Quando percebeu que desceram no mesmo andar, olhou-o, então. Tinha olhos esverdeados e um meio-sorriso enigmático; parecia um pouco mais jovem que Liam, apesar das vestimentas sérias e do projeto de barba, que o envelheciam um pouco. Era bonito, de certa forma; não um bonito fácil, um bonito loiro-dos-olhos-verdes, mas um bonito raro.

Castrado, incapaz de sentir-se sexualmente atraído por qualquer criatura, fosse homem ou mulher, Liam não pensou em nada além daquilo que pensara: que o rapaz era bonito e seu vizinho. Ainda chorava a ausência de Noah, quieto, no silêncio sufocante de seu quarto, à noite, e também quando pensava que ele estaria com sua irmã a qualquer hora do dia ou da noite. Por isso, colocar outra pessoa em sua vida agora, encontrar um enxerto para preencher o vazio que Noah deixara, não era, e não seria tão cedo, uma opção.

Entraram em seus respectivos lares tendo trocado apenas aquele olhar de cumprimento. Naquele dia, Liam teria muito a fazer no London e pouco tempo para pensar em qualquer assunto que não fosse trabalho. A ideia de expandir o bar ou abrir uma segunda loja fermentava em sua mente. O negócio vinha dando bons lucros, e Liam já começara a juntar a quantia que queria para pagar Alberto, que, nunca, desde a abertura do bar, tocou nesse assunto. Agora que já tinha relativa experiência e não começaria do zero, poderia ser mais fácil colocar o novo negócio em funcionamento. Administrando o capital com cuidado, dentro de mais alguns meses já seria possível pensar em alugar um cômodo comercial próprio para o formato do bar e dar início às reformas e adaptações.

Enquanto isso não acontecia, a vida continuava a mesma da porta para dentro. De manhã, Leda vinha; limpava a casa, tirava o patrão da cama, lavava a louça, passava as roupas e deixava comida pronta. Perguntava a Liam todos os dias como ele estava, e a resposta era quase a mesma todos os dias: alguma paráfrase de "Nada bem, mas vai passar". Pelo menos parara de perder peso—porém continuava fumando e bebendo muito.

— O senhor tinha parado com isso, seu Liam! Não começa de novo!...

A única coisa que nunca parou foi a mania de Leda chamar o rapaz de senhor; no mais, tudo continuou em mutação. Com a falta de vontade e com a tristeza, veio o declínio da vaidade. Liam já não levava mais meia hora para se trocar: vestia qualquer camiseta, calça jeans e tênis. O cabelo permaneceu intacto, mas a barba estava negligenciada: crescia e era aparada sem muito esmero com uma tesoura qualquer. Os olhos azuis, uma vez tão vivos, perderam o brilho, e agora viviam quase sempre cravados em olheiras discretas, resultado de noites mal dormidas e excesso de pensamentos infrutíferos.

Alberto o visitava semanalmente. Trocou os domingos de descanso ao lado da esposa pela companhia do filho. Encarregava-se do almoço e os dois aproveitavam as horas livres para conversar sobre tudo que tinham para conversar. O assunto predominante naqueles tempos era, claro, Noah, Evelyn, o estado emocional de Liam.

Se Eu Tivesse um Coração (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora