Capítulo 6, parte 4

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E assim as coisas foram progredindo, devagar e sempre. Tentando se desprender o máximo possível da barra das calças do pai, Liam foi tomando controle da situação na medida de suas capacidades; mas isso também aconteceu aos poucos, bem poucos. Conversou com Alberto sobre o prédio que vira na Avenida das Paineiras e sobre a venda de sua Mercedes.

- Você vai vender seu carro?! - ele mal acreditou quando ouviu essas palavras saírem da boca do filho.

- Vou. Já até anunciei na internet.

- Mas por quê? Esse carro é seu dodói desde que você o viu pela primeira vez!

- Acho que o dodói já sarou. Preciso mais do dinheiro do que do carro; 150 mil áureos[1] é muito dinheiro.

- E você vai ficar sem carro?

- Não, vou dar entrada em um mais barato... Preciso fazer as contas ainda.

Alberto sorveu um longo gole de chocolate quente enquanto o filho organizava dados em uma planilha no laptop. Estavam no escritório da mansão discutindo longamente a burocracia que estava por vir.

- Eu posso te dar um carro - Alberto disse.

- Eu não quero - a resposta foi imediata.

- Por que não?

- Já tenho dívida o bastante pra pagar com você pelos próximos meses, talvez anos.

- Falei em te dar um carro, não em te vender um.

Liam continuava concentrado na tela.

- Hum... Melhor não.

O vento soprava escritório adentro e esfriava o chocolate de Alberto, que se levantou e, com as mãos no bolso, seguiu vagarosamente até a janela aberta, pondo-se a contemplar as distantes luzes da cidade.

- Sabe...?

Disse após um longo suspiro, como se conversasse com alguém à sua frente, mas se dirigindo ao filho, que esperou pela continuação da pergunta, que não veio.

- Sei o quê?

Ainda olhando para fora, Alberto não respondeu; manteve o olhar sob as nuvens negras e, calado, disse mil palavras que nunca havia dito.

- Fala! - Liam insistiu.

Em vão. Como quem volta de um pensamento turvo, Alberto sacudiu a cabeça e fungou ao recobrar o raciocínio. Saiu da janela e respondeu apenas

- Não, nada.

Pegou a caneca quase vazia sobre a mesa para levar à cozinha e anunciou:

- Vou me deitar; depois nós conversamos mais.

- Boa noite.

Sozinho no escritório, Liam continuou a trabalhar. Naquela semana, havia começado a entrar em contato com os profissionais que o pai lhe indicara. Falou com uma arquiteta, com quem se reuniria em breve para uma visita ao prédio do futuro bar, aguardava retorno do engenheiro e o contador de Alberto seria também seu contador.

Passados exatos doze dias, conseguiu um comprador para sua Mercedes. Pensou ter sido a rapidez do negócio fruto do anúncio na internet e nas redes sociais, mas enganou-se: foi o networking do pai que lhe rendeu o bom negócio: um empresário cinquentão que gostava de customizar automóveis de luxo. Uma barganha. Com o dinheiro em mãos, a primeira coisa que Liam fez, após agradecer o pai assim que descobriu sua mão divina por trás da venda, foi entrar em contato com o homem grisalho do prédio e selar a compra da casa. Foram, na mesma semana, ao cartório assinar um contrato de compra e venda; alguns dias depois, retornaram para finalizar os trâmites legais. Ao final do mês, Liam era proprietário do número 645 na Avenida das Paineiras.

Se Eu Tivesse um Coração (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora