Prólogo

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A cela é escura e fria. Não é nem um pouco confortável. Às vezes eu me esqueço de como a luz do sol é. Ou mesmo o gosto de um bife ou uma batata. Seria estranho demais se eu dissesse que eu também não lembro o gosto de água potável?

Pois é, estou aqui a mais tempo do que posso me lembrar, bebendo essa água quente da privada minúscula que tem aqui no canto, e comendo os hambúrgueres queimados que me jogam de vez em quando. Isso quando lembram da minha existência.

Acho que era para eles me alimentarem uma ou duas vezes por dia, mas às vezes eu fico apenas com a água durante três dias ou mais. Quer dizer, pelo menos é o que eu acho, já que não entra luz do sol aqui, então não tem como saber quando é dia ou noite.

Passo o meu tempo deitado na cama, criando histórias onde eu consigo escapar e ir até um restaurante onde como tudo o que me vem à mente.

Bem, sonhar nunca é demais, certo?

No começo eu era mais ativo e fazia exercícios com frequência para manter a forma, mas conforme eles foram se esquecendo de mim, eu comecei a ficar sem energia nenhuma para completar sequer uma seção de flexões, e meus músculos começaram a se retrair. Devo estar parecendo um mendigo que não recebe esmola há anos – isso se eu não estiver até pior do que um.

Oh, maravilha, aqui estou eu de novo, imaginando como seria se eu tivesse alguém para conversar.

Estou ficando louco, eu admito. Não lembro nem do timbre da minha voz mais. Mas também não me importo. Afinal, com quem eu haveria de falar? Fugir daqui é inútil. Principalmente em minhas condições físicas. Eles iriam me pegar nos primeiros cinco minutos, aposto.

Isso, sendo otimista.

Um leve tintinar de chaves é ouvido, seguido pelo barulho das pesadas grades de metal sendo abertas. Levanto levemente a cabeça. Me deparando com o pesadelo em pessoa (se é que eu posso sequer chamá-lo de ''pessoa''. Acho que até mesmo "monstro" seria um elogio para ele).

- Há quanto tempo... – Ele diz. Sua voz é grave e ao mesmo tempo cortante, exatamente como eu me lembrava.

Minha resposta sai em um grunhido tão baixo e tão rouco que nem eu entendo o que eu quis dizer com aquilo.

- Você precisa de comida. – Ele diz em tom de deboche, e como para enfatizar, joga saco de couro em minha direção.

Me arrasto até ele e observo seu conteúdo: ele está lotado de carnes e doces de diferentes tipos. Desde pequenos cookies até verdadeiros bolos. A fumaça quente bate contra minha pele gelada e ossuda, fazendo minha energia se renovar. Meus instintos se atiçam e eu literalmente chego a enfiar minha cabeça na bolsa para tentar abocanhar qualquer coisa que seja, e por um momento, eu me sinto um animal; um selvagem que não consegue nem manter o controle dos próprios atos.

Mas não é assim que ele quer que eu aja? Afinal, é muito mais fácil controlar um selvagem faminto do que alguém são e que tenha condições de ponderar sobre propostas, não importa quais forem os preços...

Minha língua roça em um pedaço de bolo no momento em que a criatura monstruosa puxa a bolsa com brutalidade, olhando meu semblante triste e faminto com um sorriso sádico.

Encaro suplicante seus olhos negros como a noite, mas não noto nem mesmo um sinal de culpa ou compaixão; eles permanecem impassíveis, como se estivessem vendo uma pequena barata imunda na parede da qual não faz diferença se vai ficar ali ou não.

- O que você quer que eu faça? – Pergunto, temendo um pouco sua resposta. Embora eu realmente esteja disposto a fazer praticamente qualquer coisa por esse saco. Não quero ficar sendo uma barata para sempre e acabar sendo pisoteado.

- Uma coisa simples, meu caro: traga-a até mim. - Diz com um sorriso tão maldoso que eu não sei se conseguirei esquecê-lo tão cedo.

CryokinesisOnde histórias criam vida. Descubra agora