Capitulo 35 - Abandono

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ELE NOS TRAIU, OK? E MUITO PROVAVElmente ele não irá voltar. Então estamos sozinhos nessa. Agora ele é um humano comum que provavelmente não durará muitas semanas se os kallckaras forem perder o tempo deles para caçá-lo. Aceite isso o quanto antes, Alysson. Caso contrário estaremos na mesma situação que Will. Ou pior. As palavras de Horace ecoam pela minha cabeça como se fossem um martelo pregando letra por letra, palavra por palavra, frase por frase em minha mente.

Traiu... Não acho que devemos considerar isso uma traição. Afinal, Will não nos apunhalou pelas costas nem nada. Apenas... fugiu. Deve ter ido viver a vida da mesma forma que cada um de nós faria se não tivéssemos poderes... ou a responsabilidade, no caso de Horace e Halt.

Will está assim agora, livre, sem precisar fugir dos kallckaras e ficar alerta constantemente. Ele foi aproveitar a vida. Não o culpo por isso. Eu provavelmente faria o mesmo. Mas... precisava sair sem nos avisar? Assim, do nada? Tudo o que passamos juntos não significou nada a ele? Nem mesmo a promessa? E aquelas palavras sobre finalmente se sentir pertencente a um lugar? O pertencimento, para ele, dependia dos poderes?

Eu entendo que a dor de não os possuir mais deve ser uma dor enorme — eles fazem parte de nós. Tê-los tomados de si deve ser como tirar uma parte de você. Não tenho dúvidas disso. Mas nós poderíamos ter dado um jeito. Tenho certeza que, como um bom protetor, Halt iria guiá-lo pelo caminho certo para superar isso. Não precisava fugir.

Respiro pesadamente e deito-me de barriga para cima na grama fofa e úmida. Quero ir atrás dele. Ferido daquele jeito, ele não deve estar tão longe assim. Se ao menos eu estivesse com forças... Gastei grande parte delas vindo até este rio, a dois quilômetros da casa de Keyla.

Sou fraca. Inútil. Will está infinitamente mais ferido do que eu e já conseguiu esconder seus rastros, seja lá pra onde ele foi.

Aqui é belo, quieto e com flores aquáticas na margem. É um bom lugar para chorar.

Sinto uma presença atrás de mim aproximando-se lentamente. Meu coração dispara quando penso que pode ser Will. Então me sento e me viro rapidamente em sua direção.

Mas são cabelos loiros que eu vejo.

— Ei... — Horace está com o toco do braço direito enfaixado, preso firmemente ao corpo por uma tira de pano para que ele não fique balançando muito. — Posso me sentar?

Assinto com a cabeça levemente e volto a me deitar na grama, desanimada. É claro que não é Will. Ele não fez questão de falar com você antes de partir. Por que haveria de fazer agora? Ingênua.

— Olha, eu... queria pedir desculpas por aquilo que eu disse mais cedo — O loiro começa enquanto se senta na grama. — Eu não medi palavras, apenas falei tudo o que eu sinto e... Eu sei que você era bem próxima do Will e tudo mais... Eu deveria ter sido mais sensível. Desculpa.

Observo as nuvens se movendo calmamente no céu. Há pouco vento hoje.

— Você está certo: é melhor saber da verdade nua e crua do que algo fantasiado — as palavras têm um gosto amargo. — Já sou crescida, sei bem que o mundo não é confetes e arco-íris, Horace.

Solto um longo suspiro antes de me levantar para encarar o garoto ao meu lado que observa com uma certa tristeza o horizonte montanhoso, onde o sol já começa a se pôr.

— E... obrigada por ter cuidado da minha bunda — digo, rindo fracamente como termo. — Você foi muito corajoso ao lutar por uma causa que não é sua.

Horace desvia o olhar da pintura de cores no céu e olha para mim por alguns instantes.

— Não sou corajoso. Essa luta é mais minha do que sua, pra falar a verdade — ele se levanta. — Sem ressentimentos então?

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