Tudo está perdido. Meu único braço treme enquanto eu caminho a passos hesitantes pelos corredores escuros e frios na direção do meu destino. Tudo será decidido agora por ele. Mas eu tentei, não tentei? De verdade. E ele vai ser misericordioso comigo.
Respiro fundo antes de bater três vezes na porta pesada de carvalho.
— Entre — a voz grossa, que me lembra um martelo, faz meu estômago embrulhar de horror. Sinto a pressão no meu cérebro aumentar, como se estivesse sendo pressionado por uma prensa hidráulica que, à medida que eu vou virando a maçaneta da porta, vai descendo mais e mais...
Quando entro, ele está sentado em sua cadeira de couro. Há um corte feio em sua testa que está começando a cicatrizar.
— Gostaria de falar comigo... senhor? — tento ao máximo soar formal e calmo na frente dele, mas, ao julgar pelo seu mínimo sorriso sádico de canto, tenho a impressão de que não consigo soar como gostaria.
— Sim — ele rapidamente se levanta de sua majestosa cadeira e começa a andar de um lado para o outro lentamente, o que apenas serve para aumentar ainda mais o meu nervosismo.
Sinto uma gota de suor escorrer pela minha nuca e faço uma oração silenciosa pra que ele não perceba.
— Sabe, garoto, há um ano atrás, eu negociei com você: a garota em troca de sua liberdade.
Engulo em seco.
— E eu estava disposto a cumprir com minha palavra! Inclusive, depois que você falhou pela primeira vez, eu lhe deixei livre até que a localizássemos novamente.
Ele fez uma pausa, parando de andar subitamente para olhar para mim. Se os seus olhos fossem armas, com certeza eu já estaria em pedaços nesse exato momento, e, por isso, não ouso discordar, mesmo quando a mentira é óbvia. A liberdade, que ele diz ter me dado, era poder sair do apartamento de dez metros quadrados das duas às quatro da tarde.
Não me deram dinheiro. A comida vinha três vezes por dia para eu não perder a musculatura.
Não acho que a liberdade seja assim.
— A encontramos — ele volta a falar. Seus olhos sem esclera me fuzilam com ódio. — Você conseguiu se infiltrar em meio a eles. Mas, mesmo assim, falhou miseravelmente. E, ainda por cima, os ajudou durante a batalha.
— Me hipnotizaram! — me defendo.
Keyla, aquela protetora filha da puta, se certificou de usar a cinese dela em mim e eu não pude fugir para não comprometer o disfarce.
Foram raros os momentos que pude lutar contra a hipnose.
— Você é um ingrato — martela. — Eu te alimentei, treinei e ensinei. Fui misericordioso. Duas vezes. E você, criança inútil, ainda foi derrotado por uma garota ferida.
— Eu não tinha me acostumado com a ausência de um braço! — meu tom sai esganiçado. — Eu...
— Não quero mais ouvir as desculpas de um covarde — ele me interrompe. — Não sei como teve a audácia de voltar até mim. Não suportou a ideia dos seus novos amiguinhos te abandonarem quando descobrissem a verdade?
Meus joelhos vacilam quando não tenho resposta.
Não haverá uma terceira chance.
— N-não. Por favor, não... — cambaleio para trás até bater as costas na porta. —Jogue-me naquela cela novamente, mas, por favor, não...
Um sorriso sádico de canto se forma nos lábios de Klonthus.
— Está implorando por perdão, criança? Você é covarde a esse ponto? — ele dá um passo na minha direção. — Tenha um pouco de dignidade.
Engulo em seco, mas não respondo. A morte me apavora. Eu tenho medo de da incerteza do que me espera do outro lado. Mas mais do que isso: eu tenho medo de como irei conhecer a morte; de como ela irá me tomar. Principalmente se for Klonthus quem fará o serviço.
— Sabe, eu gostaria muito de ser clemente com você, mas você sabe como as coisas funcionam aqui. Faça um favor a si mesmo e pare de se humilhar com tanta covardia.
Meu coração dispara como um rato. Em um gesto desesperado, levanto a mesa pesada de Klonthus com a telecinese e a empurro em sua direção.
Ele se desvia em um movimento prático e a mesa se espatifa alguns metros à minha direita.
No mesmo segundo, sinto minhas costas serem pressionadas contra a porta por uma onda de ar.
— N-não. P-por favor. Eu faço qualquer coisa. Qualquer coisa!
Minha mão furada começa a suar frio. Se não fosse pelo ar me prendendo, eu cairia no chão.
Como eu sou patético. Ridiculamente patético. Fui sujo e aceitei trazer alguém que eu nem conhecia para o abate em troca de alguns doces; traí pessoas que, apesar de tudo, me acolheram e ainda estou com medo das consequências de ter feito isso, implorando por perdão como um covarde. Por um momento, desejo ser como Alysson. Ela, sim, é corajosa, enfrentando essa criatura impiedosa apenas para salvar um amigo.
Infelizmente, eu não sou ela. Quando Klonthus dá uma risada alta como um trovão e o ar começa a sair lenta e sufocantemente de meus pulmões, imploro novamente para que o monstro tenha misericórdia.
— Gostou do meu novo método de execução? — ele pergunta com um sorriso enquanto o ar vai saindo de meus pulmões. — Ainda não estou perfeito nele, admito. Mas me dê um crédito, ainda estou aprendendo a forma de funcionamento desse poder.
Meus olhos se arregalam quando a minha ficha cai: é apenas o sexto dia de uso do poder.
Entro em pânico e, dessa vez, não é por mim, que já estou condenado, mas sim pelos cinéticos. O líder kallckara mal pegou os poderes e já está conseguindo até mesmo retirar o ar das pessoas. A culpa que eu já estava sentindo aumenta ainda mais. E se bastar apenas um movimento para que ele tire todo o ar dos cinéticos com as quais ele irá lutar futuramente? Será uma vitória rápida e extremamente injusta.
Mas quem sou eu para falar essas coisas, não é mesmo? Eu é quem sou o grande culpado de tudo isso; eu é que condenei a Terra inteira por um simples saco de comida.
Meus pulmões estivessem se esvaziam como uma bexiga. Sinto meu coração se acelerar, trabalhando o máximo possível para me manter vivo, mas é inútil. Klonthus solta uma risada ainda mais alta que a anterior quando ele para de me pressionar contra a parede e minhas pernas, moles demais para me manter em pé, fraquejam e eu caio com tudo no piso duro, o que me rende um pequeno arranhão no que sobrou do meu braço direito. Mas isso não importa. Nada importa mais. Nem mesmo a culpa e a vergonha que estou sentindo de mim mesmo.
Klonthus dá um passo à frente e me encara por cima, a nova tatuagem do símbolo do elemento ar ainda avermelhada em seu pescoço extremamente branco. Ele me lança um olhar de nojo, e então, tudo se escurece.
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Cryokinesis
Science FictionAlyss nasceu com um dom. Um dom que por muitas vezes desejou não tê-lo. A habilidade de poder controlar o gelo e as baixas temperaturas tornou-se um fardo em sua vida; principalmente porque agora ela está sendo caçada. O que para ela era julgado c...