Capítulo 23 - Passado

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— Quatro pães, por favor — peço para o padeiro com um sorriso gentil.

Ele me observa com o cenho franzido, mas não diz nada enquanto pega os pães. Sei que o que o incomoda é o meu agasalho, que, apesar do calor absurdo, tenho que usar para cobrir meus hematomas.

— Você vai passar mal assim, senhorita — diz, entregando o saco para mim.

— Estou gripada — minto, enquanto lhe pago. — Obrigada.

Viro-me para ir embora antes que haja mais perguntas. Definitivamente a ideia do casaco não foi uma boa ideia. Podia ter pedido para que Will viesse, mas ele merece esse descanso mais do que eu.

Estamos aqui há quatro meses, treinando, e Halt resolveu nos dar um descanso na semana do aniversário de Will. Além disso, deixou a casa para nós, alegando que tem que visitar uma protetora.

Mas Klonthus não está sendo piedoso conosco. Os pesadelos são constantes tanto para mim quanto para o aerocinético, o que reforça a teoria de Halt de que o líder está com medo de algo que deve ter visto.

Por isso, somos obrigados a treinar acima da exaustão. Pelo menos, não é durante o dia todo, como Halt costumava fazer comigo. Temos a tarde para tirarmos cochilos rápidos e estudarmos as matérias do ensino médio que Halt nos entrega (a pedido de Will).

Sei que tudo isso vale a pena. Sinto-me mais forte; mais preparada. E Will também já tem músculos.

E por falar em Will... o que será que podemos fazer no seu aniversário? Halt nos deu dinheiro extra, mas eu definitivamente ainda não me sinto segura para perambular pela rua por mais tempo do que o necessário.

Estou tão distraída que nem percebo o rapaz alto e louro passar por mim na porta da padaria até ele praticamente gritar o meu nome.

— Alysson?! — A voz é familiar demais para passar despercebida.

Estremeço, como se eu estivesse olhando para os olhos de um kallckara quando encaro Horace.

— Alysson, o que faz aqui?! — indaga, me puxando pelo braço para sairmos do meio da porta.

Encaro o garoto, surpresa com a mudança e ao mesmo tempo assustada. Os seis últimos meses definitivamente não foram bons para Horace. Definitivamente ele está mais forte, mas o rosto parece tão cansado quanto o meu. Olheiras profundas contrastam com a pele pálida e seu lábio inferior tem um pouco de sangue seco.

— Eu... moro aqui — digo, mais baixo do que eu pretendia.

Bem mais baixo.

Essa é a história de Alysson Salmazi: a garota que tem poderes de gelo, enfrenta um monstro sádico, sobrevive à fome e desidratação e recebe o nome de Morehu — mas que não consegue falar com o cara que fazia bullying com ela na escola sem tremer até o último fio de cabelo.

— Seus pais sabem disso?

— Sim.

Ele inclina a cabeça para a direita, observando-me com atenção. Por um momento, fico surpresa por não ver nenhuma ameaça no olhar.

— Mentirosa.

— É verdade.

— Não — ele coloca a mão no bolso da calça, retirando de lá um celular com a tela rachada. Ele desbloqueia e me mostra uma foto. — Então por que eles estão pregando isso em todos os postes que veem pela frente desde que você parou de ir à escola?

Estreito os olhos para enxergar a imagem entre os rachados profundos. É um cartaz com a minha foto nele.

Procura-se, filha desaparecida.

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