Capítulo 19 - Limite

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Nunca me considerei uma pessoa sortuda, mas, quando desviro a panela e vejo que quase a metade da água ainda está congelada, não consigo evitar um soluço de felicidade e de me sentir a pessoa mais sortuda do mundo.

— Precisamos ferver isso logo — diz Will. — Talvez eu consiga fazer uma fogueira, mas teremos que deixar isso para depois de chegarmos na estrada.

— Uma infecção não parece ser tão ruim — digo, observando o gelo na panela derreter. Não consigo congelar mais nada. Minha cabeça lateja e imagino que se eu tentar usar meus poderes, desmaiarei.

— Não deixe que isso te afete — fala ele. — Você não vai querer ter febre no meio de uma floresta. Somos mais resistentes que pessoas comuns, mas não invencíveis.

Bufo, sabendo que ele está certo, e volto a subir na árvore. As bolhas em meus pés doem a cada impulso que pego, mas continuo.

Will informa que continuará fazendo a vigia porque o turno dele foi bem menor e eu não discuto.

Quando sou acordada, o sol ainda não nascera o bastante para fazer com que seus raios penetrassem por entre as árvores, mas já há luz o suficiente para voltarmos a andar.

Não tenho apetite quando descemos da forquilha para fazer o desjejum. A carne não parece muito apetitosa mais e estou com muita sede para sentir algum gosto de fato, mas consigo mandar para dentro uma parte do esquilo.

Nenhum de nós está com humor o suficiente para conversar, então caminhamos em silêncio até a estrada.

À medida que o sol vai se levantando, indicando o passar das horas, sei que a minha situação está ficando perigosa. A pouca urina que produzo está com a coloração escura e a minha cabeça dói tanto quanto as bolhas nos pés. Will anda com uma expressão constante de dor e eu não consigo imaginar o que teria acontecido com ele se eu não tivesse feito as tiras de pele para seus pés.

É por volta do meio dia que percebemos as árvores começando a ficar mais distantes uma das outras e, apesar dos lábios rachados, sorrio.

A estrada.

Por um breve segundo, me esqueço de como meu corpo dói. Acelero o passo até chegarmos no limite da floresta. Há uma continuação dela seguindo em frente, cortada apenas por um caminho de terra largo o suficiente para um carro passar.

Will me entrega a carne e abre o notebook, ávido, buscando por sinal. Por um momento, permito-me encostar as costas em uma árvore, mas não me sento. Temo que, se eu o fizer, não irei querer levantar nunca mais.

Observo com a mente um pouco enevoada o aerocinético andar alguns metros no meio da estrada com o notebook erguido acima da cabeça.

Devagar, desvio minha atenção para a panela com água e me repreendo por termos seguido a partir do riacho. Como eu queria ter fervido antes de sairmos.... Como seria bom dar um gole grande agora.... A minha dor de cabeça iria passar...

— Alyss, não! — O grito rouco de Will me faz parar com a panela na metade do caminho até a minha boca. — Estou falando sério: aquele riacho não é seguro.

Ele caminha até mim e tira a panela da minha mão, a expressão nervosa.

— Eu não sei tratar infecção. Se adoecermos, estamos mortos.

Assinto, mas não absorvo direito suas palavras. Ele coloca a panela no chão e volta a buscar o sinal. Não posso ficar parada aqui. Se eu me acomodar na árvore, nunca mais vou desgrudar dela. Ou pior: tentar beber mais uma vez a água.

Lentamente, volto para a floresta. Não me afasto a ponto de perder a estrada de vista, mas vou buscar galhos secos. Fogo. Precisamos de fogo.

Meu corpo parece ter duplicado de peso quando me abaixo e o galho parece não ter textura. Mesmo assim, cerro os dentes e continuo juntando alguns gravetos.

CryokinesisOnde histórias criam vida. Descubra agora