Vou dormir com fome e cansada demais para sonhar, mas acordo como se alguém tivesse me cutucado a noite inteira. Respiro fundo, sentindo um peso enorme em todo o meu corpo. Não quero levantar nunca mais. Quero dormir até que alguém venha me buscar e me levar para casa. De preferência de carro, para que eu não tenha que andar nunca mais também. Sinto como se eu tivesse andado mais do que eu era destinada a andar em toda a minha vida nesses últimos dias e eu não aguento mais.
Casa. A palavra faz meu estômago roncar e meu coração apertar. Um lugar onde há uma geladeira com tanta comida que eu até poderia escolher; um sofá confortável para dormir e a companhia de Halt, com seu humor ácido e completa incapacidade de sorrir. Parece que fazem tantos anos...
Mas só fazem três dias.
Remexo-me um pouco ao notar que, ao falar a palavra "casa", a imagem que me veio à mente foi a casa de Halt. Apenas três meses se passaram e eu já a considero o meu lar.
Não onde eu nasci; não onde eu dormia todas as noites. Mas em um lugar distante, junto com um homem que não é meu pai.
O quão horrível eu devo ser como filha? Qual será que foi a reação dos meus pais quando perceberam que eu não voltaria mais? Eu tenho quinze anos, não vinte. Eu não poderia....
Não. Se eu continuasse lá, estaríamos nós três mortos. Halt salvou a minha família e eu estarei a salvando se continuar escondida.
Talvez, quando eu chegar em um lugar seguro — se por algum milagre eu e Will conseguirmos sair daqui — eu possa mandar um e-mail para eles. Para contar que estou bem.
... e torcer para que eles se importem com isso.
Balanço a cabeça, afastando os pensamentos e deslizo para fora do saco de dormir. É claro que meu plano jamais dará certo. Se eu quiser mandar alguma coisa para os meus pais, terei que me esforçar para sair dessa floresta. Com Will. Depois poderei descansar verdadeiramente por alguns dias, sem todas essas preocupações horríveis vindo me assombrar sempre que fico com a mente parada.
O sol já nasceu há um tempo e calculo que devem ser umas sete horas. Combinei com Will de irmos verificar as armadilhas às nove, quando o sol estivesse alto o suficiente para iluminar a floresta, então ele ainda deve estar dormindo, aproveitando para deixar os pés descansarem.
Porém, quando abro a porta do meu quarto, me surpreendo ao encontrar Will mexendo em algo na panela amassada com um sorriso largo no rosto. Ele se vira para mim quando me vê, e, com orgulho, anuncia:
— Nossas armadilhas capturaram dois coelhos e um esquilo.
— Pensei que estivesse dormindo — franzo o cenho e me aproximo para observar o conteúdo da panela: Will está fazendo um ensopado. O coelho inteiro coberto com água efervescente. Pelo estado do cozimento, julgo que está quase pronto. — Que horas você saiu?
— Estava inquieto demais para conseguir dormir, então assim que amanheceu fui verificar as armadilhas para distrair a mente — explica, fazendo uma careta. — A maioria delas quebrou e algumas ficaram baixas demais, então os animais maiores acabaram pegando o nosso almoço. Estava quase desistindo quando achei essas três muito bem-sucedidas.
Não tenho coragem de perguntar se alguma das minhas pegou alguma coisa. Provavelmente não. Ele continua:
— Limpei os três assim que cheguei e achei que seria legal te fazer uma surpresa com o ensopado — diz, e a minha barriga ronca como em resposta. Ele ri. — Está quase pronto, mas talvez você possa dar uma olhada nas peles — ele dá de ombros. — Talvez a gente consiga fazer algum tipo de sola para os meus pés.
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Cryokinesis
Science FictionAlyss nasceu com um dom. Um dom que por muitas vezes desejou não tê-lo. A habilidade de poder controlar o gelo e as baixas temperaturas tornou-se um fardo em sua vida; principalmente porque agora ela está sendo caçada. O que para ela era julgado c...