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Minhas pernas tremeram levemente quando ele voltou a me encarar, apoiando as mãos no portão da minha casa. Com um simples olhar, ele era capaz de me fazer relembrar todos os momentos ruins que eu tive o esforço de esquecer antes de chegar até aqui.

Não me atrevi a aproximar dele, continuei ali estagnada no mesmo lugar, com a respiração falhada de tanto nervosismo. Eu não entendia o motivo da presença dele ali, justo agora, justo depois de tanto tempo. Fiz tudo certo, me mantive longe e não tentei mais bancar a justiceira, apesar da dor dilacerante que foi deixar meu filho para trás.

— Como você me achou? — Minha voz não saiu com a confiança que eu pensei ter antes de verbalizar. Pelo contrário, ela saiu meio fraca, rouca.

— Não achei, até porque você nunca esteve perdida. — Russo respondeu sério. E ficou ainda mais claro que ele sempre esteve de olhos em mim, mesmo de longe.

— O que veio fazer aqui? Eu não me aproximei de vocês.

Russo abriu aquele odiável sorriso presunçoso.

— Até tentou, mas não conseguiu bancar a graça, certo? — Entortou a cabeça, me olhando do jeito frio dele.

Encolhi os ombros. Realmente eu tentei encontrar o Gabriel indo o mais próximo possível da Cidade de Deus, mas só foi uma única vez e eu sequer cheguei a vê-lo. Aquilo foi há anos, muito antes de eu fugir para cá.

— Você não veio aqui pra isso, eu suponho. — Comentei ainda parada perto do balanço, que se movia sozinho por conta do vento de fim de tarde.

— Garota esperta... — Murmurou, e para o meu completo susto, Russo pulou o portão de casa sem muito esforço, invadindo o gramado do meu quintal.

Dei alguns passos para trás e pensei em gritar. Eduardo estava meio grogue por causa da bebedeira, mas sempre arrumou confusão na rua e se saiu muito bem. Porém, algo me dizia que Russo não resolveria a questão com meros socos.

— Cadê aquele maridinho de merda que você arrumou? — Veio caminhando na minha direção, olhando com curiosidade para as janelas.

— Não é da sua conta. — Me afastei rapidamente. — Vai embora daqui, Russo.

Os olhos dele brilharam com perversidade quando o seu vulgo saiu pela minha boca. Podia jurar que foi de satisfação.

— Não vou ficar aqui perdendo o meu tempo com você. Eu fiz a minha parte me mantendo longe, agora faça a sua e não volte mais aqui. — Falei tudo sem parar e fui caminhando até a porta por onde Alana entrou, mas algo que o Russo falou após isso me fez congelar no lugar.

— Ele está doente. — As palavras ecoaram no ar, deixando um rastro de angústia que se espalhou por todo o meu corpo. O mundo ao meu redor pareceu desmoronar em câmera lenta, e por alguns segundos, o tempo congelou. Meu coração bateu tão forte que parecia querer escapar do peito, e meu estômago se apertou em um nó agonizante.

Não precisava perguntar quem, eu sabia. O coração de mãe sente a dor antes mesmo de ser pronunciada.

— Doente c-como? — Minha voz saiu trêmula, as palavras mal se sustentando entre o choro e o medo que me dominavam. Encarei Russo, buscando respostas em seus olhos, e algo em sua feição mudada me fez entender que ele estava falando a verdade.

— Câncer — A palavra atingiu meu peito como uma flecha envenenada, sufocando-me. Tentei conter as lágrimas que ameaçavam transbordar, mas elas lutavam para escapar, trazendo uma dor insuportável.

Meu filho estava morrendo? Ele veio até aqui me dizer aquilo? Só agora...

— Ele está se tratando no hospital, mas o médico não tá fazendo ele melhorar, parece que vai precisar de um transplante e eu não sou porra nenhuma compatível.

Sombras da Dor [M]Onde histórias criam vida. Descubra agora