Hospital II

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A Marilia? – indaguei surpresa.

- Ela me procurou. Disse que suspeitava que o Simon estava chantageando você. A Marilia estava tentando encontrar alguma coisa ilícita nas contas das empresas da sua avó. E acabou encontrando. Essa garota é brilhante

- Ela encontrou provas contra o Simon? – meus olhos se abriram tanto que pensei que saltariam das órbitas.

- Sim. Grandes depósitos num paraíso fiscal em nome da Magda.

- NÃÃÃÃ! A Magda está nisso também? Como.... Quando a Marilia começou a investigar? – perguntei atônica.

- Não sei dizer ao certo. Ela apareceu, na primeira hora de hoje de manhã, com vários contratos suspeitos. Acho que ela estava investigando o caso desde o fim de semana. Os desvios de dinheiro que a Marilia encontrou nas empresas dos Emirados Árabes para uma conta num paraíso fiscal em nome da Magda são enormes. Parece que o Simon vai ter mais a explicar do que podíamos imaginar – sua testa vincou. Eu até entendia. Sheron, assim como vovó, tinha em Simon um amigo. Devia ser estranho ver o amigo na posição de culpado. – Enfim, a Marilia pediu minha permissão para averiguar mais a fundo e consenti, claro. – mas então Marilia desconfiava de Simon antes mesmo que eu? Quando me abordou na sala da copiadora mais cedo, naquele mesmo dia, ela já sabia?

Oh, Deus! Foi isso que  vi em seus olhos quando ela fora me buscar na galeria no último domingo! Aquela sombra sinistra. Ela dissera que o dia fora produtivo. Pensei que fosse por causa da mudança de quarto, mas levar meus pertences para o quarto do lado não tomaria muito tempo, tomaria? Foi por isso que ela me beijou daquela forma ensandecida na sala treze naquela tarde? Ela sabia que eu estava sendo manipulada?

- Acho que o Simon não vai sair da cadeia tão cedo – continuou Sheron, me desviando das especulações. – Tentativa de homicídio vai pesar muito no processo.

- Isso tudo é sórdido demais para parecer real. Fico feliz que tenha terminado. - ou quase, já que a Marilia ainda estava sendo operada – Preciso ir agora. Até amanhã, Sheron.

Assim que consegui falar com a enfermeira outra vez, fiquei fora de mim. Marilia estava na sala de cirurgia. Aquilo já durava quanto tempo? Quarenta e cinco minutos? Quarenta e oito horas? Quatrocentos e doze anos?

- Assim que terminar, venho te avisar. Quer tomar alguma coisa? Talvez um ansiolítico seja uma boa ideia – ofereceu ela.

- Não quero remédio nenhum. Só quero ver minha mulher!

Procurei a Isa, que chorava copiosamente nos braços da Luisa. Ela a cobria de beijos e caricias. A cada palavra dela, se seguia um soluço desolado. Engraçado como não havia lágrimas em seu rosto.

- Isa, desculpa – me sentei na beirada da cama, abraçando-a desajeitadamente, já que Luisa se recusava a solta-la. – Eu sabia que não era uma boa ideia te levar comigo. Como você está?

- Péssima! Todo mundo fica me olhando. E essa calça não está ajudando em nada.

Eu ri. Ela também.

- E a Marilia? – ela perguntou preocupada.

- Ainda está em cirurgia.

- Que droga! E  você, como está se sentindo?

- Péssima, Isa. Aconteceu tanta coisa... Desculpa não ter ficado com você.

- Imagina, Maih! Você tinha que ficar com a sua esposa. Ela levou um tiro, eu só... pirei um pouquinho. Eu liguei pra Luisa assim que entrei na ambulância. Ela ficou comigo o tempo todo.

- Maiara, se tiver qualquer coisa que eu possa fazer para ajudar... – ofereceu Luisa

- Cuida da Isa por mim. Vou ficar com a Marilia até ela ser liberada.

- Vou cuidar – ela disse, solene. E, voltando-se para Isa, falou – Vamos pra casa em breve mozinho.

Mozinho?

Lancei um olhar interrogativo para minha amiga, que sorriu descaradamente, radiante, mas, quando voltou os olhos para a namorada, estes assumiram uma tristeza de partir o coração.

- Tá bom – ela fez um biquinho.

- Vou te colocar na cama e preparar um chá.

- Bem docinho.... – ela pediu, com o rosto desolado

Ela sorriu, colocando uma mecha de cabelo dela atrás da orelha com extremo cuidado.

- Tão docinho quanto meu mozinho....

Ok, eu já tinha tido minha dose de glicose por um ano! Despedi-me das duas e voltei para a sala de espera, andando de um lado para o outro, como um animal enjaulado. Passei uma eternidade indo e vindo naquele espaço até que alguém viesse me dar noticias da Marilia.

- A bala foi extraída. Por sorte não atingiu a escápula. Foi um ferimento limpo, sem fragmentos. Correu tudo bem – disse o médico alto e magro, com um enorme bigode negro pendurado embaixo do nariz. – Mas ela precisou de uma transfusão de sangue. Vai ficar aqui por um tempo.

Depois de insistir muito, lavar os braços e me livrar de parte do sangue da Marilia, o medico me permitiu entrar no quarto ao qual ela fora levada. Ela estava recostada na cama hospitalar reclinada, com um daqueles camisolões azul de hospital, mas mesmo assim o ombro esquerdo enfaixado era visível. O braço descansava numa tipoia, os olhos estavam fechados, alcancei sua mão, um pouco fria, para me assegurar de que ela estava viva.

Marilia abriu os olhos. Pareceu-me que o peso de dois planetas inteiros foi retirado de meu coração.

- Ei, você – ela disse numa voz enrolada – Você não imagina como é chato ficar aqui sem ter nada pra fazer.

Tentei sorrir.

- Posso imaginar – acariciei seu braço, tomando cuidado para não esbarrar na mangueira fina ligada ao braço direito – Vou ficar com você.

- Não devia – ela disse com os olhos pesados, mas entrelaçou os dedos nos meus. – Eu sei que você não gosta de hospital. Nossa, o que foi que colocaram nesse soro?

- Morfina. Você vai dormir um pouquinho.

- Isso explica por que está tudo meio borrado – ela tentou firmar os olhos em meu rosto e acabou sorrindo. – Você é linda mesmo até toda desfocada, sabia?

Sorri um pouco.

- Dorme. Você precisa descansar pra ficar bem logo. – pedi.

- Não quero dormir. Quero falar... com você – mas suas pálpebras tremularam um pouco, antes de se fecharem e ela cair no sono profundo.

Puxei a cadeira e me sentei ao seu lado, atenta a cada respiração, a cada barulho vindo de seu peito, que me provava que ela estava viva.

Procura-se Uma EsposaOnde histórias criam vida. Descubra agora