Capítulo XXIV

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S/n

Gemendo, rolo de costas e coloco um braço sobre meus olhos para protegê-los da luz do sol. Levei horas para adormecer depois que Taehyung foi embora, e me sinto um desastre total. Tudo que eu quero fazer é bloquear a luz do sol estúpida e...

Espere, luz do sol?

Eu me endireito, semicerrando os olhos para a luz brilhante que entra pela janela.

Droga. Estou atrasada para o café da manhã?

Lanço um olhar frenético ao redor da sala, mas não há relógio. Há, no entanto, a TV pendurada no teto, e eu localizo um controle remoto em cima da minha mesa de cabeceira. Eu o agarro e pressiono o botão liga/desliga, esperando que não seja uma daquelas configurações complicadas de home theater que requer um diploma de ciência da computação para funcionar.

A TV é ligada, convenientemente sintonizada em um canal de notícias, e eu exalo um suspiro de alívio.

7h48

Se eu me apressar, descerei a tempo.

Corro para o banheiro e acelero minha rotina matinal, em seguida, vou direto para o meu armário. A TV ainda está ligada, o apresentador falando monotonamente sobre as próximas eleições enquanto eu pego um dos meus novos jeans e uma camisa de mangas compridas de aparência macia, outra nova compra. De acordo com a faixa azul informativa na parte inferior da tela da TV, a temperatura está em torno de dez graus nesta manhã, significativamente mais fria do que ontem. Além disso, não faz mal cobrir aquelas crostas que ainda estão se curando no meu braço – eu vi Taehyung olhando para elas na noite passada.

Saio do armário completamente vestida às 7h55 e, me lembrando no último minuto, pego a caixa de joias com o pingente e os brincos e coloco no bolso, para devolver para Jennie. O programa de notícias agora está exibindo um clipe dos debates das primárias presidenciais da noite anterior, nos quais um dos líderes, um popular senador da Califórnia, está dizimando seus oponentes com uma enxurrada de fatos e números bem formulados.

Eu realmente não sigo a política – minha mãe pensava que todos os políticos eram a escória da terra, e as opiniões dela passaram para mim – mas esse cara, Tom Bransford, é proeminente o suficiente para que eu saiba quem ele é. Aos 55 anos, ele é um dos candidatos mais jovens na corrida presidencial e é tão bonito e carismático que foi comparado a John F. Kennedy. Não que ele tenha algo de meu patrão.

Se Taehyung se candidatasse à presidência, toda a população feminina dos Estados Unidos precisaria trocar de calcinha após cada debate.

A hora na tela muda para 7h56 e eu desligo a TV. Talvez esta noite eu tenha a chance de assistir algo, de preferência uma comédia leve e engraçada. Nada romântico, entretanto – eu preciso tirar minha mente de Taehyung e da situação confusa entre nós, não ser lembrada disso.

Eu não quero outra noite sem dormir, onde meu corpo dói de excitação e meus pensamentos giram em uma bobina pornográfica, repetindo suas promessas sujas e as imagens sombrias e acaloradas que elas evocam.

***

Para minha surpresa, Taehyung não está na mesa quando chego lá às 7h59 em ponto. Sua irmã sim, porém, e Tae também. A criança me dá um sorriso brilhante que contrasta com o sorriso muito mais frio de Jennie, e eu sorrio de volta para os dois, embora o pensamento do que Jennie viu na noite passada me faça querer fugir e nunca mais mostrar meu rosto nesta casa.

— Bom dia.

Digo, sentando-me ao lado de Tae. É tentador evitar o olhar de Jennie, mas estou determinada a não ceder ao meu constrangimento.

E daí se ela me pegou beijando seu irmão? Não é como se eu fosse uma governanta na época vitoriana que foi vista acariciando o senhor da mansão.

— Bom dia. — O tom de Jennie é neutro, sua expressão cuidadosamente controlada. — Taehyung está em uma ligação, então, ele não vai se juntar a nós para o café da manhã.

— Oh, tudo bem.

Novamente experimento aquela estranha mistura de decepção e alívio, como se um teste difícil para o qual estive estudando tivesse sido remarcado. Embora eu tenha tentado não pensar em Taehyung esta manhã, devo ter estado inconscientemente trabalhando minha mente para vê-lo aqui, porque me sinto vazia, apesar de aliviar a tensão em meus ombros.

Deslizando minha mão no bolso, tiro a caixinha de joias e entrego a Jennie.

— Obrigada por me emprestar isso ontem à noite.

Seus longos cílios negros descem quando ela a pega de mim.

— Sem problemas. Um pouco de grechka?

Ela pergunta, gesticulando para um pote de grãos de cor escura posto ao lado dela. O café da manhã aqui parece ser muito mais simples, com apenas um pote de mel e algumas travessas de frutas vermelhas, nozes e frutas cortadas acompanhando o prato principal.

Assentindo com gratidão, entrego minha tigela a Jennie.

— Eu adoraria, obrigada. —  Estou muito feliz por ela estar agindo normalmente. Esperançosamente, isso vai continuar.

Quando ela me devolve a tigela, experimento uma colher do grão que ela chamou de "grechka". É surpreendentemente saboroso, com um sabor rico de grãos. Imitando o que Jennie está fazendo, coloco frutas frescas e nozes em minha tigela e rego tudo com mel.

— É trigo sarraceno torrado — ela explica enquanto eu mexo com a colher. — Em casa, geralmente é comido como um acompanhamento, muitas vezes misturado com algumas variações de cenouras, cogumelos e cebolas fritas na frigideira. Mas eu gosto assim, mais parecido com mingau de aveia.

— Eu acho que é mais gostoso do que mingau de aveia.

Jennie acena com a cabeça, servindo a Tae com sua porção do grão.

— É por isso que gosto no café da manhã.

Ela cobre a tigela de Tae com frutas vermelhas, nozes e uma generosa garoa de mel e a coloca na frente do menino, que imediatamente enfia a colher. Em vez de comer, no entanto, ele começa a perseguir um mirtilo ao redor da tigela enquanto faz barulho de motor sob sua sua respiração.

Eu sorrio, percebendo que finalmente estou vendo-o brincar com a comida como uma criança normal. Captando seu olhar, eu pisco e começo a empilhar meus mirtilos um em cima do outro, como se estivesse construindo uma torre. Só chego ao segundo nível antes que as bagas rolem umas sobre as outras, pousando na porção do grão que fica pegajosa com o mel.

Eu faço uma careta, fingindo consternação, e Tae dá uma risadinha e começa a construir sua própria torre de frutas silvestres. Ele o faz muito melhor do que eu, já que ele usa mel como cola e embala seus mirtilos com morangos cortados.

— Muito bom — digo com uma expressão impressionada. — Você realmente é um arquiteto nato.

Ele sorri para mim e orgulhosamente pega uma colher de grechka junto com um pedaço de sua criação de torre. Enfiando na boca, ele mastiga triunfantemente enquanto eu o elogio por ser tão inteligente. Encorajado, ele constrói outra torre, e eu o faço rir de novo ao ver uma de minhas amoras perseguindo um mirtilo que fica rolando para longe da minha colher.

— Você realmente gosta de crianças, não?

Jennie murmura quando Tae e eu nos cansamos do jogo e voltamos a comer. Sua expressão é decididamente mais calorosa, seu olhar verde cheio de uma melancolia peculiar quando ela olha para o sobrinho.

— Não é apenas um trabalho para você.

— Claro que não. — sorrio para ela. — As crianças são fantásticas. Elas podem nos fazer ver o mundo como antes... nos fazem sentir aquela sensação de alegria e admiração que os anos que passam nos roubam. Elas são a coisa mais próxima que temos de uma máquina do tempo, ou, pelo menos, uma janela para o passado.

Seus cílios baixam novamente, escondendo o olhar, mas não há como perder a tensão repentina em sua boca.

— Uma janela para o passado... — Sua voz tem uma nota estranhamente frágil. — Sim, isso é exatamente o que Tae é.

E antes que eu possa perguntar o que ela quer dizer, ela muda o assunto para o clima mais frio de hoje.

Devil's lair (A Obsessão Kim) - Imagine Kim TaehyungOnde histórias criam vida. Descubra agora