Acidentes do Coração

Capítulo 3 - Passado & Presente

KALI:

  Bufei de frustração, questionando em meus pensamentos como aquele playboy podia ser tão debochado e irritante. Não sei se é sorte ou azar encontrá-lo uma segunda vez no mesmo dia!

  Tentei afastar aquilo da minha cabeça, mas antes que pudesse me irritar totalmente, o Sr. Paul, meu chefe, me chamou com um olhar sério, interrompendo-me enquanto eu atendia outra mesa.

  — Kali, o que foi aquilo? — ele me interrogou, lançando um olhar acusador em direção ao playboy.

  — Ele foi completamente desrespeitoso, chefe. Ele me tocou sem permissão. — respondi indignada.

  Entretanto, o Sr. Paul não deu a devida importância à minha explicação. E com uma expressão imperturbável, ele informou seriamente: 

  — Esse cliente é VIP, e herdeiro de uma família de elite. O que aconteceu entre vocês não importa. Quero que se desculpe antes que ele saia do restaurante.

  Quase deixei escapulir uma risada, por conta do pedido cínico do Sr. Paul. Eu não mereço isso, meu Deus!

  — Mas ele agiu de forma inaceitável. Eu não vou me sujeitar a pedir desculpas. — retruquei, incrédula.

  Então meu chefe mudou sua postura e com um semblante ranzinza e um olhar detestável, se dirigiu a mim com total arrogância.

  — Você pode não gostar, Kali, mas se não se desculpar agora, vou ser obrigado a demiti-la. Aqui, VIPs são prioridade, e você está aqui para servi-los. — ele rosnou para mim.

Fiquei pasma, sentindo a pressão da ameaça pairar sobre mim. Mesmo que trabalhar para o Sr. Paul era repugnante, o dinheiro era importante para sustentar a minha mãe. Eu não poderia abandoná-la, apenas por um capricho meu. Com um nó na garganta, engoli em seco e, relutantemente, concordei em ir até a mesa do cliente.

  Engoli a raiva enquanto eu me aproximava da mesa daquele playboy e seus amigos ricos. O olhar espantado deles não passou despercebido, mas eu mantive minha postura determinada. Dirigindo-me ao playboy que me incomodara no ponto de ônibus, finalmente proferi minhas palavras de forma direta e seca.

  — Desculpe pela confusão, senhor. — falei, mantendo meu olhar firme.

  A surpresa de todos se espalhou pela mesa, seguida por risadas debochadas, exceto o playboy irritante. Ignorando seus amigos, ele saiu de seu lugar e se aproximou de mim com um sorriso caloroso. Enfim, pude ver o quanto ele era mesmo alguém bem diferente do que eu.

  Seu olhar azul, irresistível e penetrante, era capaz de prender a atenção de qualquer mulher que esbarra-se com ele. O cabelo loiro-castanho era estilizado em um topete cuidadosamente bagunçado. Sua pele clara destacava os traços simétricos de seu rosto, que exibia uma barba bem feita. Os lábios carnudos complementavam sua expressão, conferindo-lhe um toque de sensualidade.

  Quanto à vestimenta, Kevin ostentava um estilo que equilibrava o descolado com a moda. Com uma camisa de botões branca levemente aberta, revelando uma sugestão de descontração, combinada com uma jaqueta de couro que conferia um toque de rebeldia. Na parte inferior, optava por calças ajustadas e um par de sapatos que complementavam seu visual com classe.

  Realmente pertencíamos a mundos diferentes.

  — Sou o Kevin — ele disse. — E você, qual é o seu nome?

  — Kali. — respondi secamente.

  Em um gesto que pretendia ser generoso, Kevin tirou uma alta quantia da carteira em seguida. 

  — Aceite isso como gorjeta pelo bom trabalho, Kali. — ele falou de forma gentil.

  No entanto, o recusei com um aceno de cabeça. 

  — Dinheiro sujo que você gasta com prostitutas não vale a pena receber. — sussurrei para que os outros não ouvissem.

  Ele franziu o cenho, surpreso. 

  — Você realmente é diferente das outras. — ele murmurou com um sorriso irônico.

  — Interessante. Você acha que sou diferente, mas sua abordagem é igual a todos os outros. É decepcionante! — repliquei debochadamente.

  Com um sorriso cínico, me afastei da mesa, deixando Kevin perplexo e seus amigos pasmos com minha ousada resposta. A satisfação momentânea de confrontá-lo se misturou com a minha consciência de que o desafio estava longe de acabar. O encontro com Kevin, embora tenha despertado minha raiva, também me fez questionar a linha entre esse tipo de situação desagradável.

  Saí daquela mesa com um orgulho contido, afinal, minha resposta atrevida havia contrabalançado a humilhação de pedir desculpas para aquele cara irritante. Ao retornar ao trabalho, mergulhei nos pedidos das outras mesas, mantendo-me entusiasmada para afastar os pensamentos sobre a cena anterior.

  Mas, de tempos em tempos, percebia o olhar penetrante de Kevin sobre mim. O que ele tanto buscava com aquele olhar? Mantive a descrição e continuei fazendo meu trabalho.

    A situação tomou um rumo inesperado quando a turma de Kevin me chamou de propósito para pagar a conta. Um dos amigos dele, de forma debochada, não perdeu a chance de me elogiar:

  — Ei garçonete! Você é muito ousada. O suficiente por ser a primeira mulher a rejeitar o sucessor da empresa Diamond. A maior empresa de joias do país.

  A provocação estava lá quando Kevin resolveu tentar mais uma cantada para comigo.  

  — Fala a verdade, Kali. Você não se importa por ter recusado um rapaz bonito e rico como eu? — Kevin perguntou com um sorriso malicioso.

  Dou de ombros e com uma expressão indiferente, o respondo ironicamente:

  — Na verdade, foi um livramento. Desculpe, mas prefiro manter minha vida livre dos diamantes falsos! 

  Saio dali com um sorriso dominante e provocativo, sentindo-me no controle da situação. Em meus pensamentos, eu apenas segui meu plano meticulosamente elaborado, e satisfeita pela confirmaçao de que Kevin Bittencourt era o homem que eu procurava todo esse tempo.

  Mesmo depois de dois encontros em um único dia, cheguei à conclusão de que Kevin não me reconheceu. Talvez ele nem se lembre do nosso breve encontro no passado. A certeza de que ele não me identificou me deu a vantagem que eu precisava para resolver as questões mal-resolvidas do meu passado.

  — Esse canalha vai ter o que merece por ter destruído a minha família! — pensei vingativa.