Capítulo 8

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• Maiara Pereira •

ALGUMAS HORAS ANTES

Não me lembrava do quanto amava as pizzas de Poços de Caldas até comê-las outra vez. A grande quantidade de imigrantes italianos causou uma mistura nas fortes influências culinárias e o resultado explodia em minhas papilas gustativas.

Apenas aquela pizza gostosa de massa fina, frango, bacon e catupiry me afastava da vergonha de chegar com os olhos inchados de tanto chorar e dar de cara com os meus melhores amigos. Roze fingiu não perceber, apenas me abraçou enquanto me olhava com seus olhos compreensivos. Gustavo, como sempre, não conseguiu disfarçar. Assim que me viu, se contorceu em preocupação e perguntou o que havia acontecido.

Minha tia não hesitou em dizer que eu havia sido assaltada, fazendo meu tio João agir como um louco, querendo procurar o suposto bandido pela rua. Qual era a chance? Depois de ouvir uma extensa discussão sobre o quanto isso era atordoante, porque a cidade sempre foi muito segura, subi as escadas estreitas apenas para deixar a única bolsa que me restou em cima da cama do quarto onde, pelo que me lembrava, todos os parentes ficavam quando precisavam de abrigo temporário.

O piso de assoalho rangia a cada passo e a mobília antiga de madeira tinha um cheiro peculiar que fazia o meu nariz coçar. As paredes pintadas de amarelo vivo chegavam a fazer os olhos doerem e me sentia como se tivesse entrado em uma caixa de luz. A pequena cama no centro não parecia confortável, mas eu teria paz nela. Acreditava nisso.

O restante da casa parecia estar intocado. Continuava como eu me lembrava antes de ir embora com a minha mãe, até mesmo a mesa redonda da cozinha, com pés de madeira maciça e tampo de granito, que não dava para arrastar porque pesava quase uma tonelada.

João: Vai ficar por quanto tempo, filha? — Era reconfortante ouvir meu tio me chamando de filha. Gustavo me olhou ansioso pela resposta.

Maiara: Então... pretendo ficar até passar no vestibular. Preciso de um emprego, inclusive. Alguém sabe de alguma coisa?

Roze era a única assustada pela notícia da minha permanência, meus tios e o Gustavo ficaram radiantes. Minha tia segurou a minha mão com afeto, se preparando para falar.

Áurea: A mercearia está com pouco movimento, minha querida, mas a titia pode te ajudar enquanto não encontra outra coisa.

Maiara: Jamais! Vou te ajudar em tudo enquanto não encontro emprego e sem querer um centavo. Já está me dando um teto! — Negou, preparada para teimar. — Nem adianta, não vou aceitar pagamento nenhum, e ainda vou pagar aluguel do quarto com o que me restou.

Levou a mão aos lábios, visivelmente ofendida. Droga.

João: Filha, aqui você não paga aluguel nenhum, e fique pelo tempo que precisar — meu tio interferiu.

Maiara: Podemos conversar sobre isso depois?

João: Assunto encerrado, filha. Não vamos aceitar dinheiro seu. — A sobriedade do seu tom de voz me obrigou a assentir. Ele já estava convicto da ideia de não receber o aluguel e eu o conhecia, não havia nada que pudesse mudar a sua cabeça.

Maiara: A teimosia é de família mesmo. — Todos riram.

Gustavo: Bom — Gustavo se levantou da mesa —, preciso ir. Tenho um compromisso com a minha mãe. Posso passar para te ver amanhã, Mai?

Mai. Ele era um dos poucos que me chamava por esse apelido. Sempre suspeitei que Gustavo tivesse uma queda por mim. Estando um pouco mais madura agora, conseguiria descobrir se era coisa da minha cabeça, ou não.

A parte que me faltavaOnde histórias criam vida. Descubra agora