Capítulo 36

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• Fernando Zorzanello •

Entre tantas qualidades da Maiara, admirei a forma como se decidia sobre os seus sentimentos e se recusava a aceitar menos do que lhe cabia. Mas, quando precisava, também cedia. Sabia que seria difícil para ela ver a minha mãe depois da história que tiveram juntas, porém entendeu que deixá-la saber por Júlio ou outra pessoa a decepcionaria muito.

Aqueles que para mim já eram família me aguardavam no interior do chalé, enquanto eu esperava do lado de fora o carro do motorista chegar com a minha mãe. Meu humor não estava em seu melhor momento e isso se dava pela preocupação com o velório e com como contaríamos para o Felipe sobre o falecimento do seu amigo.

O carro se aproximou e um tipo de ansiedade diferente me atingiu pela primeira vez, talvez por não ter certeza de como seria a reação da minha velha. Sem esperar que o motorista circulasse o carro, abriu a porta olhando em minha direção.

Vestida de um sorriso, macacão preto social e seus famigerados saltos finos, caminhou em minha direção. Fiz o mesmo, para a alcançar e lhe dar um abraço, mas fui interrompido por seu grito estridente. Acompanhei seu olhar que mirava o gramado e seus saltos estavam submersos em uma pequena poça de lama.

Filomena: Socorro! — resmungou e se desequilibrou. Antes que ela caísse, alcancei-a e segurei seu braço.

Fernando: Está mesmo uma velhota. Mal consegue parar em pé. — Seu semblante preocupado se tornou furioso e ela acertou um tapa em meus ombros. — Também estava com saudades.

Filomena: Vamos, me tire daqui!

Passei um braço por suas costas e a suspendi para desatolá-la.

Fernando: Já chega dando trabalho. Minhas bolas, viu... — provoquei, segurando em sua mão para guiá-la até a fileira de bancos da entrada.

Filomena: Fernando! Pare de me apezinhar e comece falando o porquê estou aqui. — Mirou o banco envelhecido e franziu o rosto. — Esse troço vai rasgar meu macacão e ele não foi nada barato.

Fernando: Sente-se, chata.

Filomena: Ficarei melhor em pé. — Conferiu os saltos e ao vê-los sujos franziu o rosto, desgostosa. — Filho! Chega dessas férias loucas e vamos para casa. Precisa de ajuda com as malas? Mami te ajuda.

Fernando: Júlio te falou algo? — Medi o terreno.

Filomena: O que ele poderia ter me falado? Inclusive, liguei várias vezes e ele não atendeu. — Bufou, colocando as mãos na cintura.

Fernando: Interessante.

Filomena: Filho, fale o que precisa e poupe nosso tempo. Sua mãe tem um chá com a alta agendado para hoje. — Se referiu às madames da alta sociedade do nosso condomínio.

Fernando: Você nem gosta delas, sua falsa.

Filomena riu.

Filomena: É uma distração ver aquelas chifrudas exaltando os maridos milionários e infiéis.

Fernando: Antonieta fez o que com a última amante? Faz tempo que você não me atualiza.

Filomena: Mandou raspar a cabeça da coitada!

Arregalei os olhos, desacreditado.

Fernando: E com o santo do marido, não fez nada?

Filomena: Nadinha. O pobre coitado foi manipulado... — zombou, e nós rimos juntos. — Não ficou andando muito por essa cidade, não é, filho? Ouvi dizer que tem fantasmas.

A parte que me faltavaOnde histórias criam vida. Descubra agora