Capítulo 1

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• Maiara Pereira •

Há seis dolorosos meses, experimentei o gosto ácido, daqueles que desce queimando na garganta, de quando você se torna sozinho no mundo. Nunca conheci ou soube o paradeiro do meu pai, mas não por falta de vontade. Minha mãe nunca quis que eu o procurasse e, por respeito a ela, não o fiz, bem como não a questionei. Mas poderia confessar que, quando a perdi, me arrependi de não ter buscado por meu genitor.

Por mais que a senhora Filomena, minha patroa, morasse sozinha, sua casa sempre estava cheia de gente. A falta que seu único filho e seu falecido marido faziam era preenchida em parte com uma casa cheia de empregados e visitas frequentes de parentes dos mais diversos graus.

Por isso, a cozinha industrial era mantida em um anexo da parte de trás da mansão. As visitas recorrentes resultavam em muita louça suja e constante preparação de alimentos. Aconteciam até os aniversários dos papagaios na casa dela. Ela amava festas como ninguém, os olhos até brilhavam nas datas comemorativas de seus parentes, e então, começava todo o seu planejamento de um novo evento.

Droga. Os outros funcionários poderiam, pelo menos, tirar os restos de comida dos pratos antes de colocá-los na pia, mas infelizmente, não faziam nenhuma questão de ter o mínimo de colaboração.

Cada um por si, Deus por todos.

A cuba dupla de inox estava abarrotada de pratos, talheres e utensílios usados durante a cocção do almoço. Mesmo que a lava-louças fosse supermoderna, não permitia a inserção de algumas panelas, então eu precisava limpar a sujeira grossa dos pratos e copos, para só depois colocá-los na lavadora e, por fim, lavar as panelas de forma manual.

Confesso que, se sobrasse tempo, eu dispensaria o uso da lava-louças. Uma boa quantidade de detergente e água era o que lavava de verdade, mas sem a minha mãe para ajudar, meu tempo era escasso e pouco sobrava dele para estudar.

Terminei de jogar os restos de comida na lixeira grande de orgânicos, que estava cheia a ponto de vazar, e coloquei os utensílios na máquina. Antes de lavar as panelas de cerâmica, resolvi levar o lixo para fora, onde era feita a separação correta, até que o carro de lixo do condomínio fizesse a coleta para descarte e reciclagem.

Depois de deixar os sacos em seus respectivos locais, já estava enlouquecida para lavar as minhas mãos. Elas até coçavam só por ter de levantar a tampa da lixeira orgânica, no depósito externo. Nunca conheci alguém que tivesse tanta agonia de possíveis bactérias como eu.

Caminhando pela estreita passarela de pedras brilhantes, de volta à área comum da mansão, encontrei a minha querida chefe, uma das melhores pessoas que havia conhecido na vida.

Filomena: Maiara! Meu filho chegou! — berrou, os lábios tremendo e os olhos marejando enquanto corria em minha direção com os braços abertos.

O abraço foi tão forte que quase não fui capaz de respirar. Conseguia sentir seu coração bater fora do peito. Essa emoção sem tamanho, pelo filho ter voltado, se dava pelo tempo que ele passou fora. As informações que eu tinha, dadas por ela, eram de que, após a morte do pai, o garoto que havia ido estudar fora não quis passar nem um dia sequer das suas férias em São Paulo. Era a primeira vez que voltava para a mansão, depois do acidente fatal.

Maiara: Não posso te tocar, acabei de levar o lixo...

Descolou do abraço apenas para me dar um beijo na bochecha, se esbaldando em um poço de felicidade.

Filomena: Hoje é o dia mais feliz da minha vida!

E eu acreditava que sim, era palpável. Fiquei tão contagiada com sua alegria que não pude conter o meu sorriso, espelhando o dela.

A parte que me faltavaOnde histórias criam vida. Descubra agora