Capítulo 38

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• Fernando Zorzanello •

Estava cruzando a porta com a Maiara quando um grito do meu filho, seguido de um choro, reverberou pela sala. Nos viramos para encontrá-lo se soltando da mão da avó, com o boneco Hulk debaixo do braço. Correu em minha direção e, ao me alcançar, agarrou as minhas pernas e esticou um braço para a sua mãe, que já estava abatida por precisar se despedir do Nero.

Fernando: Filho — Agachei-me para falar com ele, que soluçava de tanto chorar. — Nós não vamos demorar, é bem rápido.

Felipe: Não, papai, leva eu!

Fernando: Crianças não podem ir onde eu e sua mãe vamos. É rápido, e nós vamos voltar.

Omitimos o velório ao Felipe. Embora ele pudesse comparecer, nós escolhemos não o levar, por compreender que a nossa presença já não era bem quista.

Felipe: Mamãe... — Apelou para ela, depois que neguei.

Maiara: Feh, olha, se você se comportar, vamos trazer um presente bem legal pra você. São apenas algumas horas. Você não vai nem se cansar de brincar e nós teremos voltado.

Felipe: Quero ir!

Fernando: Escute sua mãe, Felipe. Nós não vamos demorar.

Com uma birra que eu assisti pela primeira vez, jogou o antes querido boneco Hulk no chão e correu para a avó aos berros, que o pegou no colo, constrangida. Maiara tentou ir até ele, mas a segurei pela mão, gesticulando para que não fosse.

Filomena: Vão, eu me resolvo com ele. — Minha mãe nos deu o aval.

Passei o braço pelos ombros da Maiara e seguimos para a garagem. Abri a porta do carro para ela e a ajudei a subir, pois usava um vestido preto, longo até os pés.

Dei a ela um dos meus óculos escuros modelo aviador e ela disfarçava suas leves olheiras no rosto sem maquiagem. Queria poder arrancar com a mão sua visível tristeza, mas não possuía esse poder ainda.

Fernando: Felipe vai ficar bem — tranquilizei-a assim que assumi o banco do motorista.

Maiara: Ele foi tão malcriado, sério...

Fernando: Acredito que ficou com medo de nós dois o abandonarmos, ou algo assim. Não se chateie com isso. Se conheço a minha mãe, ela vai conversar com ele.

Ela apenas assentiu de cabeça baixa. Antes de partir, toquei seu rosto e me debrucei no banco de couro para recostar nossos lábios, com a promessa de que tudo ficaria bem. Se dependesse apenas de mim, ficaria. E se dependesse de outra pessoa, eu a obrigaria a resolver o problema para que a mãe do meu filho reencontrasse o seu sorriso.

***

Segurei a mão gelada dela no momento em que marchamos para a entrada da capela mortuária. Ela não soltou a minha e ainda a apertou firmemente em resposta. Seu gesto me acalmou para o que estava por vir.

Se estivéssemos lado a lado tudo se tornaria mais fácil.

Calculista como era, já havia pensado em todas as hipóteses de rinhas que poderiam ser criadas, mesmo que em um velório:

Gustavo versus Eu; mas apenas se ele insistisse muito em me contrariar, ou tocasse na Maiara de maneira invasiva. Eu o detestava, mas precisava respeitar que eram amigos — pelo menos da parte dela.

Qualquer um dos filhos de Nero versus Maiara; porque nem mesmo desejavam a sua presença e o contragosto se deu apenas por minha ameaça ao Júlio. Nenhum deles sonharia em entrar em meu caminho, e logo os faria entender que a mãe do meu filho também era terreno proibido.

A parte que me faltavaOnde histórias criam vida. Descubra agora