Capítulo 19

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• Maiara Pereira •

Meses depois

O último dia do ano.

Foi difícil convencer o Nenê a ir à confraternização de Ano Novo da sua própria empresa. Dois sócios o visitaram, implorando por sua presença, para que ele discursasse no aniversário de quarenta anos das Balta Indústrias, mas por estar próximo da data prevista para o parto, não queria me deixar.

Em uma de nossas conversas, descobri que os eletrodomésticos caros que a Filomena tinha em sua casa eram produzidos pela Balta. A indústria de bens duráveis tinha em sua linha de produção várias marcas famosas.

O mais engraçado era que ele vivia em uma casa que, apesar de grande, era modesta, e não aparentava ter o dinheiro que tinha. Enquanto Filomena ostentava joias, Nenê ostentava caridade. Olhando de relance em sua mesa de escritório, encontrava sempre altos depósitos para instituições de caridade.

A senhora Filomena não tinha um coração ruim, longe disso, mas percebi que era cega pela imagem que criei dela. Por mais que fosse generosa, sua generosidade era seletiva, se limitava às pessoas que ela conhecia e amava.

Eu era uma das pessoas que ela amava.

A generosidade do Nenê ultrapassava todos os níveis que eu havia conhecido. Acordei em um domingo ensolarado e o meu bebê tinha um quarto montado. Isabel se afastou para uma cirurgia de catarata e ele cobriu todos os custos. Sua filha desejava que ele morresse e, ainda assim, ele procurava fazer suas vontades.

Maiara: Que dor... — murmurei ao me sentar na cadeira de plástico branca. Minhas costas não aguentavam mais o peso da minha barriga e dos meus seios, que dobraram de tamanho. Sem falar nos meus pés, que estavam sempre inchados.

Sorridente, Gustavo caminhou até mim e colocou, no piso da nova área de lazer da minha tia, uma pequena banqueta para eu apoiar os pés. Agradeci-o com um beijo na bochecha e ele voltou para o comando da churrasqueira.

Além dos meus tios, os familiares dos meus melhores amigos se juntaram conosco para comemorar a virada de ano. Não conseguia me aprofundar nas conversas, vez ou outra me perdia em pensamentos, deixando as pessoas falando sozinhas.

Mantive a opinião de não saber o gênero, mas com a data prevista se aproximando, o meu coração estava ansioso para descobrir. Todo mundo me achava maluca por querer descobrir apenas no nascimento.

Entre as árvores, atrás da área de lazer recém-construída na casa da minha tia, conseguia ver o sol se pondo. Lembrei-me de que Nenê amava o nascer e o pôr do sol. Fechei os olhos, aproveitando o clima fresco e o ventinho batendo em meu rosto.

Por mais que eu soubesse que ia doer, não temia o meu parto. Meu bebê estava na posição propícia, pratiquei exercícios com acompanhamento de uma fisioterapeuta e treinei as posições. Além de ter dado tudo de mim para me preparar, ainda tinha fé que Deus não me deixasse e me desse uma forcinha.

Roze: Já decidiu os nomes, amiga? — perguntou Roze ao se sentar ao meu lado.

Maiara: Não tenho ideia. Vou olhar para o meu bebê quando nascer e decidir naquela hora.

Ela gargalhou.

Roze: Você é maluca, sério.

Maiara: Confia, vai dar certo.

Roze: Amiga, Gustavo está cuidado como águia dos seus pães de alho para ficarem como você gosta.

Eu amava pão de alho, porém, no ponto certo. Não podia ser muito assado e nem completamente cru, a casquinha precisava estar um pouco dourada e crocante. Se ficasse duro, perdia a graça; e se não criasse a casquinha, ficava ruim.

A parte que me faltavaOnde histórias criam vida. Descubra agora