Capítulo 6

206 30 8
                                    

• Maiara Pereira •

Sentada na cama com as duas mãos no rosto, escutei a voz da Nete me chamando. Tentei inventar que estava com dor de barriga, mas ela não acreditou. O quarto não tinha banheiro e seria para ele que quem tem dor de barriga correria, não para a cama.

Nete: Abra essa porta, Maiara!

Que escolha eu tinha? Abri uma fresta da porta, mas ela a empurrou por completo, impaciente, franzindo a testa para mim. Esperei que atravessasse o batente para trancá-la outra vez e tirei a chave do trinco, guardando-a no bolso.

Nete: Está de ressaca e inventou dor de barriga?

Quem dera se fosse apenas uma ressaca.

Foi quando caí no choro que ela percebeu a gravidade da situação e correu para me abraçar. Apertei os lábios com os dentes para impedir os gritos de saírem retumbantes da minha garganta. A vida pacata que eu costumava viver virou de cabeça para baixo em menos de vinte quatro horas e eu não sabia como iria enfrentar as coisas.

Escorreguei do seu abraço até cair no piso gelado e ela se sentou ao meu lado. Abri meu coração contando tudo o que aconteceu e Nete parecia não acreditar. De fato, não parecia ser algo que eu faria.

Imaginei a decepção que se estamparia nas feições da minha patroa quando soubesse as coisas que fiz. Apenas em um dia saindo sozinha de casa, consegui estragar os itens que ela me emprestou e, além disso, transei com o filho dela. Isso era errado em tantos níveis. Sabe o que era pior? A hipótese de algum deles pensar que foi de propósito.

Não queria estar ali para enfrentar esse possível julgamento.

Maiara: O que eu faço? — questionei-a, que estava muito preocupada secando o meu rosto molhado com a camiseta velha da minha falecida mãe.

Nete: Acha que ela vai te demitir?

Demitiria? Não acreditava muito nessa hipótese. O meu medo nem era esse, era outro.

Maiara: Acho que não..., mas a Sra. Filomena vai me olhar diferente. Vai deixar de confiar em mim, eu a conheço. Ela já brigou com familiares por menos, muito menos.

Nete: Consegue lidar com isso?

Um inchaço se instalou em minha garganta. Todo o emaranhado de pensamentos se conectou e eu sabia que só havia uma saída.

Maiara: Não.

Nete: E se você pedisse para o salafrário mentir? — Pelo visto, Fernando havia ganhado uma inimiga.

Maiara: Não vou conseguir olhar na cara da Sra. Filomena sabendo que estou escondendo algo assim dela... e ele pode simplesmente não aceitar omitir. Ferrei com tudo!

Nete abaixou a cabeça como se tentasse achar uma solução em um beco sem saída. Engoli a bile que queimou em minha garganta com a aceitação. Quando seu olhar retornou ao meu, suas sobrancelhas se curvaram para baixo, assim como o canto dos seus lábios, parecendo ter compreendido que não havia saída fácil.

Nete: Maiara...

Maiara: Vou fazer o que eu queria ter feito assim que perdi a minha mãe. 

Negou com a cabeça, os lábios tremendo, prestes a chorar ao perceber minha intenção.

Deixei que chorasse no meu ombro e lamentei com ela por alguns minutos. Minha mãe pouco me deixou após a sua partida, mas o bom senso e a dignidade foram sua maior herança. Por mais que a noite passada fosse comum para muitos, acabou desconstruindo o mais importante na minha vida: a memória da minha mãe. Isso eu não poderia deixar acontecer.

A parte que me faltavaOnde histórias criam vida. Descubra agora