Capítulo 4 - Malu e Gael

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Assim que passo pela catraca no saguão do prédio onde funcionam as salas de reuniões e o estúdio de gravações do jornal, vejo Gael vindo em sentido contrário.

Admiro o andar elegante da figura masculina de quase um metro e oitenta. Gael está sempre com os cabelos castanhos ondulados alinhados para trás com gel, sapatos caros, terno, camisa social e gravata combinando. As lentes de contato deixam os olhos castanhos claros um pouco artificiais. Prefiro quando está de óculos. Me faz lembrar o personagem Clark Kent, disfarce do Superman.

Conhecemo-nos na faculdade de jornalismo. Fomos apresentados por colegas em comum. Primeiro ficamos amigos e só depois de alguns semestres resolvemos namorar. E já estamos juntos há três anos.

Gael não é o tipo atlético como nossos pais, que foram rivais em campo na época em que jogavam basquete. Nem é o tipo de cara que gosta de agitação. Talvez por isso tenhamos nos dado tão bem. Construímos um relacionamento tranquilo e maduro.

Apresso os passos ao seu encontro em busca de um abraço acolhedor depois de mais uma conversa tensa com meu pai a respeito do noivado.

_ Oi, amor. Cuidado. _ Gael me segura pelos ombros impedindo-me de abraçá-lo.

_ O que foi? _ Franzo a testa ao vê-lo olhar para os lados preocupado.

_ Lembra que combinamos discrição no trabalho?

_ Mas não é nenhum segredo que namoramos. E em breve anunciaremos o noivado.

_ Claro. Mas prefiro preservar nossa imagem. Afinal, somos pessoas públicas. Não quero correr o risco de prejudicar nossas carreiras.

Analiso os vincos em sua testa e algumas gotas de suor que se formam, mas depois abro um sorriso compreensivo.

É típico de Gael se preocupar demais com o trabalho e com o que as pessoas dizem. Ele valoriza demais a reputação e sonha alcançar também a bancada do jornal.

Quem sabe um dia sejamos o casal "âncora" do telejornalismo?!

_ Tem razão. Obrigada por cuidar de mim. Mas precisa relaxar só um pouco de vez em quando. Tenho notado que anda mais tenso que o normal. _ Dou um tapinha de leve em seu braço.

Gael dá um meio sorriso sem jeito, solta meus ombros e dá um passo atrás.

_ Não precisa agradecer. Estou apenas cuidando de nosso futuro. Somos jovens jornalistas, Malu. As vezes precisamos fazer sacrifícios e renúncias para provar nosso valor.

_ Tudo bem. Conversamos mais tarde, então.

_ Pronta para a reunião?

Concordo com um aceno de cabeça.

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Somos os primeiros a chegar. Acomodamo-nos em duas das cadeiras giratórias distribuídas envolta da grande mesa onde acontecem as reuniões de planejamento todas as manhãs.

Enquanto esperamos os outros, observo pela vidraça que toma toda a parede da sala. Mais um dia se descortina lá fora. A agitação do trânsito, as pessoas correndo para pegar suas conduções e chegarem a tempo em seus trabalhos e comércios abrindo as portas. Tudo movimenta a cidade e serve de cenário para muitas notícias.

Sinto-me honrada por ter sido citada como principal opção para ocupar a banca do noticiário mundial que vai ao ar no horário nobre, mas não deixo de reconhecer que o que me motiva está lá fora. Gosto da correria em tempo real, de caçar a notícia, de entrevistar as pessoas e dar voz ao povo que quase sempre não tem acesso à mídia.

Apoio o cotovelo na mesa e suspiro sem perceber.

_ Tudo bem? Insegura com a promoção? _ Gael me observa atento.

Ele não me entenderia. De nós dois sempre fui a mais impulsiva e passional.

_ Não. Tudo bem quanto a isso. _ Faço uma careta. _ Só mais uma conversa que não deu em nada com Dalmo Brandão.

_ Ele continua resistente ao noivado? _ Gael abre o notebook na mesa.

_ Resistente e insistente em criar obstáculos. Acredita que a última foi exigir que eu fizesse uma viagem às pressas para o Canadá?

Gael xinga baixo. Quase um murmúrio em distração.

_ Bem que meu pai disse que seu pai seria "uma pedra em nosso sapato".

Ergue os olhos rapidamente.

_ Desculpe o comentário. Apesar de tudo é seu pai.

_ Tudo bem. Ele está sendo muito teimoso e intransigente mesmo.

_ Acha que consegue resolver as coisas com ele? Tenho algumas questões de trabalho essa semana que estão consumindo meu tempo. _ Gael não para de digitar.

_ Claro. Deixe comigo. No fim das contas, meu pai deve estar com medo de me perder. Além do mais, recebeu a notícia do falecimento de um irmão. Isso o deixou melancólico. _ Sorrio complacente posicionando minha mão sobre a outra mão dele estendida na mesa.

Nesse momento, a porta da sala de reuniões se abre e Valéria, nossa editora chefe, entra. Seus olhos focam diretamente nas mãos unidas sobre a mesa. Suas sobrancelhas se erguem. Imediatamente, Gael puxa a dele e pigarreia se ajeitando na cadeira.

Algo me deixa intrigada nas pequenas reações na sala, afinal toda equipe sabe de nosso relacionamento, inclusive nossa chefe.

_ Bom dia. Podemos começar? Every, por favor leia a pauta dos principais assuntos para a primeira edição do jornal...

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