A maior parte do percurso até o hospital não foi registrada por meu cérebro. Lembro apenas de William acelerar mais a picape quando passamos pelas proximidades do centro de Robson. Depois tudo se tornou um borrão de imagens.
_ Vai ficar tudo bem. _ Inúmeras vezes a frase foi sussurrada por uma voz tensa e distante.
Quando chegamos, tirou-me da caminhonete em seus braços. Um enfermeiro surgiu com uma cadeira e me conduziu pelo corredor do setor de emergência do hospital. William acompanhou de perto, até que foi impedido de adentrar pela última porta dupla.
_ Vai ficar tudo bem. _ Balbuciou de longe, aprisionando-me em um olhar encorajador, porém preocupado...
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_ A senhorita teve muita sorte por ser encontrada logo. Podia ter morrido de hipotermia ou atacada por coiotes. A região montanhosa de Robson está cheia deles. Vi em sua ficha que não é daqui. É brasileira, certo?
Afirmo com um aceno de cabeça para o médico que me atendeu há dois dias.
_ Para o futuro, procure um guia quando quiser explorar a montanha. A rapidez do senhor Belanger no salvamento fez grande diferença.
_ Tomarei mais cuidado. _ Desvio o olhar
Mal sabe o médico que eu estava fugindo justamente daquele que me salvou.
_ Os exames não acusaram nenhum trauma na cabeça. O senhor Belanger estava preocupado porque quando a encontrou a senhorita estava com a testa sangrando e um pouco desorientada.
Respiro fundo aliviada.
_ E onde ele está? _ Olho em direção à porta do quarto de enfermaria.
_ Lá fora. Disse que só entraria depois de nossa conversa. É um pouco antissocial, mas é boa gente, não é?_ O médico sonda.
_ É sim, doutor. William é uma boa pessoa. Só é reservado. Se não fosse por ele, eu teria morrido.
_ Foi o que imaginei. Não arredou os pés da sala de espera desde que a trouxe. _ O médico concorda.
Lanço um olhar ansioso para a porta. De repente sinto muita vontade de revê-lo. O médico parece notar.
_ Certo. Vou mandá-lo entrar enquanto preparo o registro de sua alta. _ Vai saindo.
_ Obrigada, doutor.
_ Por nada, menina. Se sentir algo estranho como dor de cabeça, tonteira ou sensação de desmaio, volte imediatamente para fazermos novos exames.
_ Pode deixar.
Alguns minutos após o médico sair, William entra no quarto. Aproxima-se lentamente do leito.
Sinto uma sensação estranha como se pequenos pontos em brasa se acendessem dentro mim.
Meus olhos percorrem do familiar par de coturnos, pelos jeans surrados até a camisa cinza com estampa de alguma banda pouco conhecida que não conseguem esconder os músculos definidos das pernas, braços e abdômen.
Sei disso, porque andei bisbilhotando algumas vezes enquanto treinava na neve.Por último, nossos olhos se encontram. Está usando um boné do Toronto Raptors e mantém as mãos nos bolsos da calça. A postura apreensiva.
_ Finalmente recebeu alta. _ Quebra o silêncio. _ Está se sentindo melhor?
Aceno a cabeça.
_ Acredito que queira permanecer na cidade, então me adiantei e reservei um quarto em um hotel próximo. Sua mala, trarei depois. Verei o que deu para salvar.
Franzo a testa.
_ Ainda não cumpri minha missão.
William ergue as sobrancelhas.
_ Tenho que encontrar a casa de meu tio e organizar as coisas dele. Por isso vim para cá. Foi um pedido de meu pai. Se não quiser que fique mais em sua casa, vou entender.
Encara-me surpreso.
_ Achei que não quisesse voltar, afinal tudo isso foi porque fugiu de lá. _ Sinaliza com o queixo.
_ Desculpe. _ Abaixo as pálpebras. _ Acabei me deixando influenciar pelos comentários maldosos que ouvi.
_ Não tem que se desculpar. Também não ajudei muito. _ Ergue um lado dos lábios. _ Faz muito tempo que vivo assim. Perdi o jeito com as pessoas.
_ Ainda assim, deveria ter pensado melhor. Fui impulsiva e isso quase custou minha vida.
William concorda.
_ Já que irá retornar comigo, vou cancelar a reserva. Enquanto isso, vá se arrumando. Precisa de ajuda?
Tenho impressão de que algo se acendeu em seu rosto. Mas pode ser só uma dedução.
_ Will... _ Seguro as pontas de seus dedos antes que saia.
Ele paralisa. O olhos fixos no toque de minhas mãos.
_ Como me chamou?
_ Will. _ Minha voz sai vacilante. _ Desculpe se não gosta que te chame assim. _ Solto os dedos apressada.
_ Não. Não é isso. É só que, somente uma pessoa me chamava assim. Alguém muito importante que não está mais aqui.
_ Não foi minha intenção trazer à tona lembranças ruins.
Ele repuxa um lado da boca. Dessa vez foi quase um sorriso.
_ Não foi uma lembrança ruim. Meu irmão caçula me chamava assim. _ William olha para o chão.
_ E onde ele está?
Will ergue a cabeça. Os olhos castanhos esverdeados anuviados.
_ Está morto. _ Não me encara.
Toco novamente seus dedos.
_ Sinto muito.
Will esquiva a mão.
_ Não sinta. Não quero ser consolado.
Vira de costas e caminha para a porta.
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Assino alguns documentos na recepção e sigo pelo corredor do hospital. Will carrega a mochila que providenciou com alguns objetos pessoais para os dois dias em que estive em observação. A outra mão ampara minhas costas de forma protetora.Quando alcançamos o saguão do hospital alguém pronuncia meu sobrenome, ou melhor o sobrenome de meu tio, Tremblay. Ergo a cabeça e observo um senhor de baixa estatura nos observando com olhos julgadores. Se não me engano é o mesmo que me atendeu em um comércio no centro de Robson no dia em que cheguei. Harold é seu nome.
Antes que consiga o cumprimentar, se afasta apressado com expressão de nojo e arrastando consigo a senhora que o acompanha.
Sinto-me confusa. Acompanho o homem com o olhar até que me deparo com Will me observando.
_ Sabe porque isso aconteceu, não é?
_ Você o conhece?
Will afirma com um arranhar de garganta.
_ Certas coisas não mudam nunca. _ Will segura minha mão. _ Vamos logo embora daqui...
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Uma cabana na montanha
RomanceMaria Lúcia Brandão está prestes a se consolidar na carreira jornalística, tornando-se "âncora" do noticiário mais assistido em todo o país. Malu, como é conhecida na TV, seguiu os passos do pai, Dalmo Brandão, ex-atleta de basquete e atual comentar...