Capítulo 18 - Delírios

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William

Brutus a encontra primeiro...

Tenho certeza que é ela e que algo ruim aconteceu quando meu cão para na beira de um barranco e começa a latir insistentemente olhando para baixo.

Primeiro, meu coração acelera com a expectativa. Depois, congela quando  alcanço a beirada e reconheço o corpo inerte de Maria Lúcia jogado na neve.

_ Ah, não... _ Deslizo pela descida íngreme.

Brutus vem logo atrás.

Meu coração salta no peito quando vejo uma mancha de sangue em sua testa.

_ Maria Lúcia, está me ouvindo? _ Aproximo-me rápido.

Suspiro aliviado quando vejo que está respirando. Mas o ferimento na testa me preocupa.

_ Por favor, acorde. Fale comigo. _ Toco seu rosto com cuidado.

Ela geme e abre os olhos devagar.

_ Acho que bati a cabeça. _ Diz baixo.

_ Mas consegue movimentar as pernas e os braços? Tente, por favor.

Lentamente ela dobra e estica as pernas, depois faz o mesmo com os braços.

_ Ah, graças a Deus. _ Respiro mais aliviado.

Depois que tudo passar, preciso avaliar minhas reações em relação à ela. Tudo isso tem me consumido de forma muito rápida e assustadora.

_ Preste bastante atenção no que vou dizer. _ Seguro seus ombros frágeis.

Ela me encara com atenção e olhos lacrimejantes.

_ Tenho que tirar você daqui antes que tenha uma hiportemia. Preciso que coopere e confie em mim. Não vou lhe fazer nenhum mal.

Ela apenas concorda com a cabeça.

_ Ótimo. Segure em meu pescoço.

Maria Lúcia obedece e pela segunda vez a carrego em direção ao abrigo da cabana...

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Malu

Desde que entrou na cabana comigo nos braços, William não parou. Acomodou-me no sofá da sala com muito cuidado. Alimentou o fogo da lareira. Tirou minhas roupas úmidas e me enrolou em um cobertor. Não tive condições de protestar quanto a isso, pois meus dentes batem fortemente um contra o outro e todo o meu corpo treme.

_ Seus lábios estão arroxeados e sua pele gelada.

Vai apressado até a cozinha e retorna pouco depois com uma bacia com água quente e uma toalha. Torce o excesso de água e começa a limpar meus braços e rosto. A quentura trás algum alívio, porém logo começa a arder, então protesto segurando sua mão.

_ Você se arranhou bastante na queda. Deve ter caído sobre algum arbusto com espinhos enquanto corria. Estava com tanto medo assim?

_ De-desculpe. _ Meus dentes não param de bater. _ Fui uma tola.

_ Não tem que se desculpar. Também fugiria de mim se estivesse em seu lugar.

William coloca a mão em minha testa.

_ Está com febre. Tenho que te levar a um hospital.

_ Na-não precisa. Vou, vou melhorar.

_ Nada disso. Bateu a cabeça. Precisa ser examinada por um médico.

_ Não tem como passar. A estrada está...

_ Dane-se. Vamos passar de qualquer jeito.

William sobe os degraus de dois em dois e some no segundo andar. Pouco depois retorna com uma camisa grande, que em mim fica parecendo um vestido, e um casaco de lã de carneiro.

_ Me ajude a vestí-la. Precisamos sair.

_ Não podemos esperar um pouco? Estou tão cansada. Preciso descansar.

_ Não pode dormir. Bateu com a cabeça. Precisa fazer uma tomografia para verificar se não houve contusão.

Estico os braços para fora do cobertor e deixo que William faça a maior parte da tarefa de me vestir. Noto que evita me encarar. Assim que termina me pega em seus braços e me carrega para os fundos da casa. Brutus acompanha tudo nos seguindo.

William sai pela porta traseira, segue pela lateral da cabana e entra em uma extensão que ainda não tinha notado e que parece ser uma garagem. Dentro há  uma picape bem conservada, que deve ser usada por ele para viajar e comprar suprimentos.

Coloca-me sentada no banco do carona e ajusta o cinto de segurança.

_ O distrito mais próximo não fica tão longe daqui. Mantenha-se aquecida e tente não dormir. _ Fecha a porta, dá a volta e entra no lugar do motorista.

William dirige com segurança e habilidade na neve. Passamos no local onde fui encontrada caída e também onde meu carro está enguiçado. O veículo está totalmente coberto pela neve. Logo chegamos no ponto interditado da estrada.

_ Não tem como passar. _ Minha voz sai trêmula e fraca.

_ Veremos. Fique aqui.

Observo pelo retrovisor. William pega uma pá na traseira do carro e segue determinado em direção ao amontoado de neve que fechou a pista.

_ Não acredito que está fazendo isso...

Passo a hora seguinte em estágio de sonolência. Pelos olhos semicerrados vejo nuances das costas de William enquanto ergue a pá e ataca a neve com vigor. Meu corpo volta a tremer e a cabeça a doer. Já não sei o que é realidade e o que é delírio.

_ Maria Lúcia...

É como se tivesse sido transportada para casa. Somente meu pai me chama assim. Não, espere. Mas alguém me chama assim. Quem é ele?

Acordo sobressaltada.

Devo ter cochilado de exaustão.

William está sentado ao meu lado na cabine. A camisa úmida. As mãos calejadas estão feridas e apertam o volante, mas no rosto há satisfação.

_ A estrada está liberada. Daqui a pouco chegaremos no hospital...

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