Estou na Icefield Parkway há uns vinte minutos. A vista que a estrada oferece é deslumbrante. Me sinto em frente a uma grande tela viva. As montanhas ao fundo com seus picos nevados e a floresta exuberante que se estende aos lados da estrada são de tirar o fôlego.
Um estonteante lago cristalino, parte coberto por geleiras, surge entre os pinheiros. Sem mais resistir, paro no acostamento, saio do carro, sento no capô e me permito admirar a beleza selvagem que se descortina.
Segundo os dados que pesquisei sobre o lugar, a montanha Robson é a mais alta de toda a cadeia rochosa e a estrada passa por dentro do Parque Nacional de Jasper.
O grasnar alto de uma águia dourada chama atenção. Ela faz um voo rasante sob às àguas do lago, pesca algo com as garras afiadas e volta a subir para a plenitude do céu azul salpicado por nuvens cinzentas que começam a se amontoar.
Suspiro e escorrego para o chão.
_ Melhor agilizar, pois a pior parte da estrada ainda está por vir.
Pouco mais de quinze minutos na estrada em uma velocidade considerável, o clima começa a dar sinais de mudança devido a altitude. Aumento o aquecimento no interior do carro e acelero.
A estrada continua serpenteando a montanha, mas o GPS indica uma entrada lateral mais íngreme e sem asfaltamento.
_ Finalmente.
Diminuo a velocidade, pois o solo parece mais escorregadio e instável. A luminosidade também fica bastante comprometida, pois a floresta ficou mais densa. Acendo os faróis no máximo.
_ Não quero correr o risco de atropelar nenhum animal silvestre. _ Reforço a atenção pelo trajeto.
Logo a estrada se alarga novamente oferecendo a visão ampla de uma clareira com vegetação rasteira coberta por neve. O céu agora está totalmente cinza chumbo e pequenos flocos de neve caem sobre o parabrisa.
_ Ainda bem que pedi tração nas quatro rodas.
Tenho a impressão de que conforme avanço, mais inóspita fica a região. Até as cercas, que contornavam a estrada, desapareceram. Não há nenhum sinal de vida humana, nem moradias.
_ Não é possível que alguém consiga viver aqui. _ Verifico o GPS para ter certeza se não houve algum erro de percurso. _ Droga, não tem sinal aqui em cima.
Paro o veículo e saio para tentar alcançar o sinal de alguma torre pelo menos no celular.
Caminho alguns metros distraída olhando para o aparelho, mas logo um farfalhar na vegetação próxima me deixa em alerta. Ergo a cabeça e faço um giro de 360° com o corpo. A floresta tem uma aparência sombria. A pouca luminosidade foi coberta pelas nuvens e o ambiente parece totalmente selvagem.
Olho para o celular, continua sem sinal. Ouço outro movimento entre as árvores.
_ Droga, não acredito que estou passando por isso. _ Apresso o passo e retorno para a segurança do carro.
Permaneço atenta a qualquer movimento suspeito, mas nada acontece nos segundos seguintes.
_ Que ridículo. _ Solto o ar que havia prendido nos pulmões e arranco a touca de lã branca que cobria minha cabeça. _ Acabei me deixando impressionar pelo monte de besteira que aquele povo disse.
Balanço a cabeça rindo de mim mesma.
_ Bem, o jeito é voltar para o centro da cidade. Passo a noite em uma pousada e tento achar essa casa amanhã.
Aciono a ignição do carro, mas nada acontece.
_ Ué. O que houve?! _ Franzo a testa.
Aciono novamente e nenhum sinal do motor do carro.
_ Não acredito nisso! _ Olho para o painel apagado.
Aciono pela terceira vez. Silêncio absoluto.
_ Tá de brincadeira! _ Bato no volante.
Olho para todos os lados tentando encontrar uma solução.
Pego o celular. Continua sem sinal.
_ Que merda! Como vou sair daqui?!
Ligo a lanterna do aparelho e tento iluminar o espaço lá fora. Está escurecendo muito rápido agora.
_ Preciso ver se aconteceu alguma coisa.
Confiro a porta. Está destravada. Deve ter sido algum problema na parte elétrica. Escorrego devagar para fora. O par de botas de camurça que uso afundam na camada de neve fofa que se forma.
Caminho até a frente do carro e abro o capô. Observo por alguns segundos, mas não vejo nenhuma alteração. Olho para o celular novamente. Ergo o braço em um último fio de esperança de alcançar sinal.
Ouço pela terceira vez movimentos entre as árvores. Dessa vez estão mais próximos e acompanhados por um rosnado assustador.
Disparo em direção à porta do carro. Mas no meio do caminho, as botas deslizam sobre uma pedra coberta de gelo. Como que em câmera lenta sinto meu corpo ser projetado para trás. As pernas se erguem no ar e o máximo que consigo fazer é abrir os braços em busca de algo para me segurar.
Fecho os olhos e espero pela dor. A neve parece ter amortecido a queda. As costas doem um pouco, o traseiro também. Gemo ao mexer as pernas.
_ Graças a Deus não bati a cabeça com força. _ Ergo o braço até a nuca.
Abro os olhos devagar. O céu está completamente escuro e não há nenhuma estrela visível.
_ Droga. Vou ter que passar a noite dentro do carro. _ Gemo mais uma vez ao tentar me erguer.
Um rosnado furioso e constante alcança meus ouvidos. Dessa vez bem próximo. Sinto a espinha gelar e todos os pêlos se arrepiarem e tenho certeza que não é de frio.
Passos apressados vem ao meu encontro. Viro a cabeça de um lado para o outro preparando-me para me defender. Meu coração acelera com a expectativa. Estico o braço em busca de um pedaço de madeira ou qualquer outra coisa que me ajude a lutar com seja lá o que for que se aproxima.
Até que vejo uma sombra se formar aos meus pés e crescer em direção ao meu corpo. É negra e avança sobre mim. Fecho os olhos assustada. Choramingo com dor e medo. Cubro o rosto com as mãos.
Posso sentir o calor de seu corpo sobre mim.
Será que subestimei os conselhos dos moradores da cidade? A fera que tanto falaram existe mesmo e estou prestes a me tornar uma de suas vítimas?
_ Por favor, me deixe em paz.
Sinto gotas pingarem em minhas mãos.
Céus! Ele está salivando antes de me devorar! Tenho que reagir! Preciso lutar.
Arregalo os olhos e grito ao me deparar com dentes afiados muito próximos de meu rosto.
_ Brutus! Aqui! _ Uma voz grave de comando rompe na escuridão...
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Nota da autora:
Olá, leitoras lindas!
Espero que tenham gostado. Comentem o que acharam e o que esperam.
Obrigada pelo carinho de sempre!
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Uma cabana na montanha
RomanceMaria Lúcia Brandão está prestes a se consolidar na carreira jornalística, tornando-se "âncora" do noticiário mais assistido em todo o país. Malu, como é conhecida na TV, seguiu os passos do pai, Dalmo Brandão, ex-atleta de basquete e atual comentar...