Malu
Passei o restante da madrugada acordada relembrando cada toque que trocamos.
_ Malu, o que você fez?! _ Coloco a cabeça debaixo do travesseiro como se pudesse apagar a cena da "pegação" que protagonizamos no sofá.
Bufo irritada.
_ Você conhece ele há pouquíssimo tempo. Nem sabe o que aconteceu de verdade no passado para ele viver assim recluso. _ Reviro-me na cama.
Sou grata a Will por me salvar, mais de uma vez, e por me acolher em sua casa. Porém, não quero que confunda as coisas. Não tenho intenção de me envolver com alguém agora.
Tudo o que aconteceu com Gael no Brasil está muito recente. É hora de recolher os cacos, não de enveredar em outro relacionamento. Não quero me magoar, nem magoar ninguém.
Pego no sono somente ao amanhecer...
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Demorei a descer para o café da manhã. Primeiro, porque acordei tarde. Segundo, porque não sei como encarar Will agora.
Na cozinha, encontrei um bilhete em baixo da xícara de leite.
"Fui consertar o carro."
W.
Sinto-me mal por dar tanto trabalho. Desde o dia em que meu carro enguiçou na pista que dá acesso à montanha, a vida de Will virou de pernas para o ar.
Gostaria de poder recompensá-lo de alguma forma. Sei que se ofenderia com algum tipo de pagamento. Na verdade, gostaria de presenteá-lo.
Termino de comer uma torrada, lavo a louça que sujei e começo a circular pela cabana meio que ansiosa. A todo momento olho pela janela conferindo se Will está voltando.
_ Ele está nesse frio lá fora trabalhando em meu carro enquanto estou aqui parada. Deve ter alguma coisa que eu possa fazer...
Entro na cozinha e começo a elaborar um plano. Tudo bem que não tenho muitos dotes culinários. Na verdade, não sei fritar nem um ovo. Mas preparar uma refeição não deve ser um grande mistério.
_ Quando chegar, encontrará um almoço quentinho esperando por ele. _ Sorrio satisfeita com a ideia genial.
Pego uma panela grande e começo a separar na mesa ingredientes para preparar uma sopa.
_ Sopa é fácil. É só colocar a água para ferver e jogar tudo lá dentro. _ Estalo os dedos.
Canto animada por estar me saindo bem. Consegui acender o fogão sem grande dificuldade. Lavo os legumes e os fatio. Quase corto o dedo umas duas vezes, mas não me abalo. Faz parte da aventura.
_ Minha mãe ficaria orgulhosa se me visse agora. _ Bate a saudade de meus pais.
Assim que Will consertar o carro, irei ao centro ligar para eles.
Misturo tudo na panela e procuro mais alguma coisa que possa colocar na sopa.
_ Ervilhas devem servir. _ Saio da cozinha e me dirijo à despensa.
Quando chego no fim do corredor, paraliso. O guaxinim que provocou todo o caos na madrugada passada está parado no meio da despensa segurando um saco de alimento.
Aproximo-me lentamente e sem fazer estardalhaço. Mas o animalzinho logo sente minha presença. Vira em minha direção, ergue as orelhas e mexe o focinho como se testasse algo.
_ Ei, não se preocupe. Não vou te fazer mal algum. _ Falo suavemente.
Ele faz um som gutural, mas dá alguns passos para trás. Reparo na pelagem perfeita. A cauda listrada em preto e branco. O corpo pequeno e as mãozinhas pretas com unhas grandes que agarram o saco de batatas chips.
Sento no chão à certa distância para não assustá-lo.
_ Você gosta de ervilhas, não é? _ Pego um saco caído e abro. Retiro um punhado de ervilhas em conserva e abro a mão.
O guaxinim observa estático por alguns minutos. E guando penso que irá fugir, ergue o focinho farejando no ar e dá alguns passos em minha direção. Meu coração acelera de empolgação.
_ Não vou te machucar.
Ele se aproxima aos poucos. Até que estica o bracinho e pega algumas sementes, deixando outras espalharem-se no chão.
_ Isso. _ Sorrio satisfeita.
Aos poucos ele vai pegando confiança e se aproximando mais.
_ Você é muito fofo, sabia? Me lembra um bichinho de pelúcia que meu pai me deu quando criança. Dei o nome de Fred a ele.
Claro que o guaxinim só quer saciar a fome, mas a sensação de ter transmitido confiança ao animalzinho é tão satisfatória.
_ O que está acontecendo aqui! _ A voz de Will eclode feito um trovão em minhas costas.
_ Fred! Fuja! _ A única coisa que penso no momento é na segurança do guaxinim.
Brutus surge detrás de Will em disparada. Chega salivar ao passar perto do meu rosto. O guaxinim solta outro som, dessa vez assustado, larga as ervilhas e pula entre as prateleiras alcançando altitude até sumir no teto da cabana.
_ Pode me explicar o que está acontecendo aqui? Quem é Fred?
Levanto do chão lentamente, ganhando tempo antes de encará-lo.
_ Estava preparando o almoço e quando vim na despensa para pegar ervilhas encontrei ele aqui. _ Digo olhando para o alto, na direção onde o guaxinim desapareceu.
_ Aí você fez amizade com o guaxinim ladrão, deu a ele nossa comida e o batizou de Fred?! _ Will fala com ironia.
Ainda não tinha ouvido esse tom de voz dele.
Nossos olhos se encontram rapidamente. Sinto o rancor exalar de mim. Ele vai cerrando os olhos.
_ Estou esperando uma explicação, Maria Lúcia. _ Will bloqueia a passagem até o corredor impedindo-me de escapar estrategicamente.
Sua expressão é dura. Sem nenhum vestígio do Will protetor e caloroso que conheci.
_ Assim que puder, irei ao centro comprar uma gaiola para tentar tirá-lo daqui e devolvê-lo ao habitat dele. Quanto às ervilhas, não se preocupe. Vou repor.
Tento me esquivar pela brecha entre seu ombro e a parede. Mas ele segura meu braço.
_ Escute. Não foi isso que.... _ Ele tenta dizer algo, mas o interrompo.
_ Meu Deus! A sopa! _ Arregalo os olhos e saio correndo em direção à cozinha.
Will vem atrás.
_ Droga. _ Com uma colher, remexo o caldo grosso formado pelo macarrão que passou do ponto e das crostas queimadas do fundo da panela que começam a surgir.
_ O que é isso? _ Will olha curioso para o conteúdo da panela.
_ Uma tentativa falha de fazer uma sopa. _ Largo a colher na mesa e tiro o avental pelo pescoço. _ Achei que gostaria de tomar uma sopa quente quando chegasse. Mas já deu para perceber que não faço nada certo.
Jogo o avental na mesa e subo irritada para o quarto...
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Uma cabana na montanha
RomanceMaria Lúcia Brandão está prestes a se consolidar na carreira jornalística, tornando-se "âncora" do noticiário mais assistido em todo o país. Malu, como é conhecida na TV, seguiu os passos do pai, Dalmo Brandão, ex-atleta de basquete e atual comentar...