Capítulo 22 - Fred

204 49 7
                                    

Malu

Passei o restante da madrugada acordada relembrando cada toque que trocamos.

_ Malu, o que você fez?! _ Coloco a cabeça debaixo do travesseiro como se pudesse apagar a cena da "pegação" que protagonizamos no sofá.

Bufo irritada.

_ Você conhece ele há pouquíssimo tempo. Nem sabe o que aconteceu de verdade no passado para ele viver assim recluso. _ Reviro-me na cama.

Sou grata a Will por me salvar, mais de uma vez, e por me acolher em sua casa. Porém, não quero que confunda as coisas. Não tenho intenção de me envolver com alguém agora.

Tudo o que aconteceu com Gael no Brasil está muito recente. É hora de recolher os cacos, não de enveredar em outro relacionamento. Não quero me magoar, nem magoar ninguém.

Pego no sono somente ao amanhecer...

**************************************

Demorei a descer para o café da manhã. Primeiro, porque acordei tarde. Segundo, porque não sei como encarar Will agora.

Na cozinha, encontrei um bilhete em baixo da xícara de leite.

"Fui consertar o carro."

W.

Sinto-me mal por dar tanto trabalho. Desde o dia em que meu carro enguiçou na pista que dá acesso à montanha, a vida de Will virou de pernas para o ar.

Gostaria de poder recompensá-lo de alguma forma. Sei que se ofenderia com algum tipo de pagamento. Na verdade, gostaria de presenteá-lo.

Termino de comer uma torrada, lavo a louça que sujei e começo a circular pela cabana meio que ansiosa. A todo momento olho pela janela conferindo se Will está voltando.

_ Ele está nesse frio lá fora trabalhando em meu carro enquanto estou aqui parada. Deve ter alguma coisa que eu possa fazer...

Entro na cozinha e começo a elaborar um plano. Tudo bem que não tenho muitos dotes culinários. Na verdade, não sei fritar nem um ovo. Mas preparar uma refeição não deve ser um grande mistério.

_ Quando chegar, encontrará um almoço quentinho esperando por ele. _ Sorrio satisfeita com a ideia genial.

Pego uma panela grande e começo a separar na mesa ingredientes para preparar uma sopa.

_ Sopa é fácil. É só colocar a água para ferver e jogar tudo lá dentro. _ Estalo os dedos.

Canto animada por estar me saindo bem. Consegui acender o fogão sem grande dificuldade. Lavo os legumes e os fatio. Quase corto o dedo umas duas vezes, mas não me abalo. Faz parte da aventura.

_ Minha mãe ficaria orgulhosa se me visse agora. _ Bate a saudade de meus pais.

Assim que Will consertar o carro, irei ao centro ligar para eles.

Misturo tudo na panela e procuro mais alguma coisa que possa colocar na sopa.

_ Ervilhas devem servir. _ Saio da cozinha e me dirijo à despensa.

Quando chego no fim do corredor, paraliso. O guaxinim que provocou todo o caos na madrugada passada está parado no meio da despensa segurando um saco de alimento.

Aproximo-me lentamente e sem fazer estardalhaço. Mas o animalzinho logo sente minha presença. Vira em minha direção, ergue as orelhas e mexe o focinho como se testasse algo.

_ Ei, não se preocupe. Não vou te fazer mal algum. _ Falo suavemente.

Ele faz um som gutural, mas dá alguns passos para trás. Reparo na pelagem perfeita. A cauda listrada em preto e branco. O corpo pequeno e as mãozinhas pretas com unhas grandes que agarram o saco de batatas chips.

Sento no chão à certa distância para não assustá-lo.

_ Você gosta de ervilhas, não é? _ Pego um saco caído e abro. Retiro um punhado de ervilhas em conserva e abro a mão.

O guaxinim observa estático por alguns minutos. E guando penso que irá fugir, ergue o focinho farejando no ar e dá alguns passos em minha direção. Meu coração acelera de empolgação.

_ Não vou te machucar.

Ele se aproxima aos poucos. Até que estica o bracinho e pega algumas sementes, deixando outras espalharem-se no chão.

_ Isso. _ Sorrio satisfeita.

Aos poucos ele vai pegando confiança e se aproximando mais.

_ Você é muito fofo, sabia? Me lembra um bichinho de pelúcia que meu pai me deu quando criança. Dei o nome de Fred a ele.

Claro que o guaxinim só quer saciar a fome, mas a sensação de ter transmitido confiança ao animalzinho é tão satisfatória.

_ O que está acontecendo aqui! _ A voz de Will eclode feito um trovão em minhas costas.

_ Fred! Fuja! _ A única coisa que penso no momento é na segurança do guaxinim.

Brutus surge detrás de Will em disparada. Chega salivar ao passar perto do meu rosto. O guaxinim solta outro som, dessa vez assustado, larga as ervilhas e pula entre as prateleiras alcançando altitude até sumir no teto da cabana.

_ Pode me explicar o que está acontecendo aqui? Quem é Fred?

Levanto do chão lentamente, ganhando tempo antes de encará-lo.

_ Estava preparando o almoço e quando vim na despensa para pegar ervilhas encontrei ele aqui. _ Digo olhando para o alto, na direção onde o guaxinim desapareceu.

_ Aí você fez amizade com o guaxinim ladrão, deu a ele nossa comida e o batizou de Fred?! _ Will fala com ironia.

Ainda não tinha ouvido esse tom de voz dele.

Nossos olhos se encontram rapidamente. Sinto o rancor exalar de mim. Ele vai cerrando os olhos.

_ Estou esperando uma explicação, Maria Lúcia. _ Will bloqueia a passagem até o corredor impedindo-me de escapar estrategicamente.

Sua expressão é dura. Sem nenhum vestígio do Will protetor e caloroso que conheci.

_ Assim que puder, irei ao centro comprar uma gaiola para tentar tirá-lo daqui e devolvê-lo ao habitat dele. Quanto às ervilhas, não se preocupe. Vou repor.

Tento me esquivar pela brecha entre seu ombro e a parede. Mas ele segura meu braço.

_ Escute. Não foi isso que.... _ Ele tenta dizer algo, mas o interrompo.

_ Meu Deus! A sopa! _ Arregalo os olhos e saio correndo em direção à cozinha.

Will vem atrás.

_ Droga. _ Com uma colher, remexo o caldo grosso formado pelo macarrão que passou do ponto e das crostas queimadas do fundo da panela que começam a surgir.

_ O que é isso? _ Will olha curioso para o conteúdo da panela.

_ Uma tentativa falha de fazer uma sopa. _ Largo a colher na mesa e tiro o avental pelo pescoço. _ Achei que gostaria de tomar uma sopa quente quando chegasse. Mas já deu para perceber que não faço nada certo.

Jogo o avental na mesa e subo irritada para o quarto...

**************************************

Uma cabana na montanha Onde histórias criam vida. Descubra agora