_ Fera?! _ Um sinal de alerta é acionado dentro de mim. Sinto o sangue correr mais rápido em minhas veias.
Será que era sobre ele que as pessoas se referiam?
William continua me observando, atento a cada mudança de expressão.
E se ele for um serial killer ou alguma outra espécie de psicopata?
_ Porque se autodenomina assim? _ Uno as sobrancelhas.
Preguiçosamente, ele desvia os olhos de minha boca e me encara com o mesmo olhar felino de quando o conheci.
_ Você gosta de fazer muitas perguntas.
_ Sinto muito se ultrapassei algum limite. _ Tento consertar o clima desconfortável que se instaurou, pois não sei com quem estou lidando, nem do que é capaz.
Ele repuxa o canto da boca.
_ Desde que chegou aqui já ultrapassou todos os limites, Maria Lúcia. _ Chama meu nome pela primeira vez.
A sensação é estranha. Excitante e perigosa. Não sei explicar. Talvez tudo isso esteja me deixando louca.
_ Imagino que esteja sendo um inconveniente ter uma hóspede todo esse tempo. _ Espalmo a mão em seu peito e o empurro. _ Desculpe.
Preciso cair fora daqui.
Ele recua, mas segura minha mão.
_ Não foi o que quis dizer. _ De repente seu olhar parece preocupado e talvez vulnerável.
_ Eu entendo. Sério. Só preciso pegar minhas coisas e...
Saio apressada da oficina. Subo o lance de escada que leva ao andar superior. Entro na cabana e vou direto para o quarto. Olho para trás várias vezes com medo dele estar me seguindo.
Se for um assassino em série, não tenho a mínima chance. Onde estava com a cabeça que aceitei me hospedar na casa de um desconhecido?!
Deus, me ajude.
Jogo as peças de roupas de qualquer jeito na mala, os cosméticos e o notebook. Fecho e saio do cômodo apressada. Desço a escada com o coração disparado. Atravesso a sala, chego na porta, olho para trás, nenhum sinal de William.
Brutus está sentado na varanda. Levanta as orelhas quando me vê saindo, mas não tem outra reação. Apenas me observa ganhar distância da cabana que foi meu refúgio nos últimos dias e em poucos minutos se tornou uma armadilha...
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William
A única pessoa que se aproximou depois de tantos anos e acabei afastando.
Sei que deveria ir atrás dela e explicar. Mas meus pés estão fincados no chão, como se tivessem criado raízes.
_ Talvez seja melhor assim. _ Fecho os olhos e aperto os punhos com força.
Teria que explicar muita coisa. E nem tenho certeza se entenderia.
A forma que vi o medo brilhar em seus olhos quando revelei que sou a fera que todos temem, a praga que gostariam de exterminar, o indesejado e o causador da dor de muitos, foi o suficiente para me fazer desistir antes mesmo de tentar...
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Malu
Arrasto a mala pela neve com as duas mãos. Os galhos dos arbustos espetam minhas pernas e as vezes batem em meu rosto. Inspiro com dificuldade por conta da temperatura baixa.
Olho para trás algumas vezes. Nenhum sinal de alguém me perseguindo. Pergunto-me se fiz o certo em ter fugido dessa forma impulsiva. A verdade é que se William tivesse a intenção de me fazer algum mal, já teria feito há algum tempo.
Meus pés doem e começo a diminuir o ritmo, mas me recuso a arriscar a voltar. Em algum momento perdi a touca de lã branca que protegia minha cabeça.
Ainda neva bastante e o chão coberto de gelo dificulta a caminhada. Sinto as mãos arderem, mas continuo puxando a mala com força até que o cabo da bagagem quebra e sai em minha mão.
_ Droga! _ Jogo longe a peça e tento segurar a mala de outro jeito.
Preciso chegar até o carro. Lá pelo menos estarei abrigada.
Meus passos ficam cada vez mais lentos e a respiração carregada pelo esforço. Sinto como se meus pulmões fossem explodir.
_ Pre-preciso parar só um pouco. _ Digo arfante.
Começo a ouvir passos abafados pela neve.
_ Ah, não! _ Volto a caminhar mesmo com dificuldade.
O tornozelo quase sarado volta a doer.
Desisto da mala e saio correndo.
Os passos aceleram. Mas não sei de qual direção veem.
Em poucos segundos que olho para trás, tropeço em uma pedra ou galho. Meu corpo é projetado para a frente e depois rolo por um barranco. Tento segurar em um arbusto ou raíz, mas não consigo. Sinto uma ardência na testa e uma dor excruciante, até que não enxergo mais nada, apenas escuridão...
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William
Pouco mais de uma hora que ela partiu e um vazio torturante impera na casa e um buraco cresce em meu peito.
_ O que está acontecendo comigo? Conheci a garota apenas há dois dias e me tornei dependente de sua presença?! _ Jogo o pano de prato na pia.
Meus olhos batem na caneca de porcelana que separei para ela usar.
_ Isso é ridículo. Isso é loucura.
Ainda que fosse atrás dela, não adiantaria. Vi o pavor estampado em seu rosto. Deve pensar que sou algum tipo de lunático assassino.
Brutus começa a latir do lado de fora. Saio da cozinha e sigo até a varanda. Ele ergue as orelhas.
_ O que foi rapaz?
Meu cão me encara, depois ergue o focinho e começa a uivar. Franzo a testa. Verifico o perímetro da casa, mas não vejo nenhum movimento.
_ Aconteceu algo, não é?
O cão desce os degraus que dão acesso à varanda e corre em direção aos arbustos. Sigo-o correndo.
Após pegarmos a estradinha, começo a seguir um rastro deixado na neve. Minutos depois encontro o gorro de lã branca usado por Maria Lúcia preso em um galho de árvore.
_ Brutus. Aqui. Encontre ela. _ Estendo para o cão farejar.
Brutus cheira a peça e depois dispara. Sigo-o logo atrás. Mais a frente encontramos a alça da mala.
_ Droga, devia tê-la impedido de sair. Vamos.
Mais a frente Brutus para ao lado de um volume. Corro pensando que é ela caída, mas na verdade é só a mala.
_ Ela nunca abandonaria a bagagem dessa forma se não tivesse com muito medo. Se algo tiver acontecido com ela, não vou me perdoar...
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Uma cabana na montanha
RomanceMaria Lúcia Brandão está prestes a se consolidar na carreira jornalística, tornando-se "âncora" do noticiário mais assistido em todo o país. Malu, como é conhecida na TV, seguiu os passos do pai, Dalmo Brandão, ex-atleta de basquete e atual comentar...