Realmente o tempo piorou bastante. Uma corrente de vento fria vinda do norte parecia que ia fazer meus ossos congelarem. A quantidade de neve aumentou consideravelmente. E quando achei que meu cérebro ia congelar, voltei para o hotel em busca de um quarto para passar a noite.
Organizo as compras, que fiz a tarde, em um canto da suíte. Encontrei a gaiola que queria em uma loja de caça. Comprei também pequenas lembranças para meus pais e Zoe.
Por último, tiro da bolsa uma escultura de madeira nobre encontrada em um antiquário. A peça representa uma águia alçando voo. O objeto me remeteu à lembranças dessa viagem e principalmente de Will, que foi impossível deixá-la para trás.
Após o jantar, observo da sacada do quarto as luzes coloridas iluminando o centro de Robson. Apesar do frio, pessoas circulam pela praça de braços dados ou em grupos. Alguns fazem uma roda em volta de um homem com vestes indígenas que faz malabarismos com pinos de madeira. Outros aplaudem um que cospe fogo.
Barracas padronizadas foram organizadas em volta da praça e ao longo da via principal. Não consigo identificar tudo o que vendem, mas aromas variados alcançam minhas narinas pela janela. Uma mistura de temperos, queijos e doces variados.
Uma batida na porta do quarto me desperta.
_ A senhorita não vai ao festival?! _ Uma das atendentes do hotel, que acredito ser filha do proprietário, me observa de cima a baixo indignada por não me ver pronta.
_ Pretendia dormir, pois amanhã partirei cedo.
_ Não acredito que perderá a festa. _ A jovenzinha leva a mão ao rosto. _ Esse é o momento mais aguardado pelos turistas.
Dou um sorriso de desculpas. Não quero que pensem que desprezo a cultura local, mas estou com os pensamentos em outro lugar.
_ Por que não vem conosco só um pouco? Quando se cansar pode voltar para o hotel. _ Ela insiste e me sinto mal por negar.
_ Deixe-me pegar um casaco mais quente, então.
Agasalho-me com tudo o que disponho. Tenho a impressão de que sinto mais frio que os outros.
Descemos juntamente com outros hóspedes. Todos estão bastante animados. Crianças correm pela praça.
_ Cada família fica responsável por uma barraca. Já é uma tradição. _ A jovem, que descobri se chamar Livy, continuou explicando-me cada detalhe do festival.
_ Há pratos típicos sendo vendidos em todas. Já comeu Poutine? _ Ela pergunta.
_ Ah, já. _ Dou um sorrisinho.
_ Gostou?
_ Muito. _ Sinto as faces esquentarem.
_ Então, venha. Vou te levar para experimentar o melhor Poutine de Robson. _ A garota passa o braço no meu e me arrasta entre as pessoas.
Acho difícil alguém superar o poutine feito por Will. Mas vamos lá!
_ Vejam só. Que bom que resolveu aparecer. _ Nolan está na barraca de Poutine.
_ Olá, Nolan! _ Livy parece querer levitar ao vê-lo. As bochechas muito brancas ficam coradas.
Mais uma admiradora do filho do prefeito.
_ Como está, pequena Livy? _ Ele desarruma o gorro da cabeça dela.
_ Estou ótima. _ Ela quase se desmancha ao meu lado.
_ Pode me fazer um favor? _ Novamente vejo Nolan usar o sorriso ensaiado.
_ Claro, Nolan! O que quiser.
Giro o rosto para que não notem meu revirar de olhos.
_ Verifique se está tudo pronto para a encenação. Veja se as professoras precisam de ajuda para vestir as crianças.
_ Deixe comigo. _ A menina solta meu braço e sai andando apressada como um cãozinho adestrado.
Lanço um olhar enviesado para Nolan. Ele pisca como se compatilhasse alguma piada interna comigo.
_ Maria Lúcia! Que bom que veio. _ Ava é a responsável pela barraca de Poutine.
_ Ah, me chame de Malu, por favor.
Parece que só me sinto confortável com meu pai e surpreendentemente Will chamando-me pelo nome completo.
_ Malu. _ Ava sorri.
_ Livy insistiu tanto para que viesse com ela, que acabei aceitando o convite.
_ Vejo que já conheceu o filho do prefeito. _ Ava mexe a mistura fumegante na panela sem erguer a cabeça. Mas sinto que há algo implícito no comentário.
Fico atenta para descobrir logo do que se trata ou se é somente impressão minha.
_ Esse é o nosso ano, Ava. Até o prefeito veio prestigiar nossa barraca. _ Oliver chama a atenção da esposa.
Todos viram o rosto em direção ao homem alto de meia idade que se aproxima. Está vestido da mesma forma que o vi pela primeira vez e ainda não sabia que se tratava do prefeito de Robson. Parece um cowboy de filme antigo.
_ Boa noite para todos. A festa está muito bonita esse ano, não acham? _ Engancha os dedos no cinto da calça. Seus olhos batem nos meus.
Um arrepio inexplicável acomete todo meu corpo. Atribuo ao frio.
_ Já conhece a sobrinha do jornalista Tremblay, pai? _ Nolan apoia a mão no ombro do prefeito.
_ Já nos vimos uma vez. É um prazer revê-la, senhorita. _ Toca de leve a ponta do chapéu.
Apenas aceno a cabeça. Novamente, Ava me lança um olhar sugestivo, porém discreto.
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Experimentei vários petiscos, além do poutine feito por Ava. E fiquei mais tempo do que esperava no festival. Porém quando todos começaram a se dirigir ao palco montado para a apresentação da peça teatral, Ava me puxou para um canto de sua barraca.
_ Oliver pediu para que não me metesse, mas minha consciência não me permite ser omissa. Não fiz nada para ajudar William depois que minha prima partiu. Talvez por isso me sinta tão mal com tudo o que aconteceu. Então, se puder ajudar de alguma forma, farei agora.
_ Do quê está falando, Ava? _ Confusa, franzo a testa.
_Cuidado com o que conversa com o prefeito e o filho.
_ Por quê? _ Sussurro.
_ Nolan Murray foi a principal testemunha contra William na época do acidente. Ele estava no lugar quando a mina explodiu. E quando William acordou, Nolan e o prefeito já tinham espalhado para todos que ele foi o responsável por tudo.
Inspiro profundamente, incapaz de proferir alguma palavra no momento.
A história de Will ser o único responsável pelo acidente da mina está cada vez mais mal contada.
As informações vão chegando como as peças de um grande quebra-cabeça. Sinto que preciso tirar um tempo para organizar as ideias. Mas de uma coisa tenho certeza, há algo obscuro nesse caso.
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Uma cabana na montanha
RomanceMaria Lúcia Brandão está prestes a se consolidar na carreira jornalística, tornando-se "âncora" do noticiário mais assistido em todo o país. Malu, como é conhecida na TV, seguiu os passos do pai, Dalmo Brandão, ex-atleta de basquete e atual comentar...