Capítulo 12 - Quem é esse homem?

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Aperto os olhos novamente como se pudesse expurgar a imagem terrível dos dentes afiados e salivantes a poucos centímetros de meu rosto.

A voz grave de comando surge novamente, dessa vez, seguida por um assobio alto. O animal cerra as mandíbulas e gira a cabeça em direção à alguém que se aproxima.

_ Brutus, sai! _ O animal obedece imediatamente. Recua, porém continua em posição de ataque.

Movimento-me devagar pela dor no corpo e com receio de assustar o cão negro e enorme ao meu lado.

Uma nova figura se aproxima. Um homem alto e jovem. Veste calça preta e cuturnos nos pés. Curiosamente, usa um colete aberto no peito exibindo abdômen e braços musculosos.

A pele branca é coberta por tatuagens. O cabelo castanho claro é curto nas laterais e bagunçado no alto, porém de forma harmoniosa.

O rosto é bonito, mas com traços másculos. O olhar é o que mais me impressiona. Olhos castanhos claros, quase verdes, me analisam com certa fúria.

_ Quem é você? _ Minha voz sai trêmula, não sei se de medo ou frio.

Um sorriso muito discreto repuxa apenas um lado da boca perfeita.

_ Não acha que quem deve fazer essa pergunta sou eu? Afinal, está em meu território.

Ergo a cabeça e apoio os cotovelos no chão.

_ Seu território? Por acaso é algum tipo de homem lobo que sai por aí marcando território?!

O cão rosna. Encolho-me.

_ Brutus. Quieto.

O cão resmunga baixo. Olho admirada para o animal, antes feroz, agora completamente submisso ao comando do tutor.

_ Quis dizer em minha propriedade. Você está em minha propriedade. Então, identifique-se, por favor. _ O olhar gélido se volta para mim.

_ Ah, não sabia que havia invadido uma propriedade particular. Meu GPS parou e deu algum problema no carro.

O homem olha em direção ao veículo parado com a porta aberta. Fica pensativo por um tempo. Cerra os olhos como se travasse uma batalha interna.

De repente, um sinal de alerta se acende em minha cabeça. Estou sozinha no meio do nada, incomunicável, com um desconhecido de aparência pouco amistosa e seu cão assassino. Isso não pode dar certo.

_ Na verdade, não precisa se incomodar. Várias pessoas da cidade sabem onde estou. Em breve virão me resgatar. _ Tento erguer o tronco, mas gemo de dor.

Ele fraze a testa.

_ Bateu a cabeça?

_ Não foi com força. A neve amorteceu a queda. Aguardarei o salvamento dentro do carro. Desculpe por ter invadido seu território, quer dizer, sua propriedade. _ Ajoelho-me devagar para levantar.

Com somente uma mão, ele segura meu braço e me ajuda. É alto como imaginei. Ergo a cabeça e o observo de perto. Encara-me de forma ferina. A fumaça causada pela baixa temperatura saindo pelas narinas.

_ O que veio fazer aqui? Queria especular minha vida? _ Aperta meu braço.

_ Quê?! Não! Nem sei quem você é! _ Puxo o braço com um solavanco e me afasto mancando. _ Estava a caminho da casa de meu tio falecido. Vim dar um jeito nas coisas.

Ele ergue os olhos rapidamente. Os vincos na testa se desfazem.

_ É sobrinha de Alexander?

_ Sou. Conhecia meu tio?

Um novo sorriso se insinua. Bem discreto que nem alcança os olhos.

_ Era um amigo. Na verdade, o único que tinha.

Solto o ar dos pulmões de uma só vez. Talvez de alívio.

_ Ah, sinto muito.

_ Não sinta. A amizade de mais ninguém daqui vale a pena. _ Diz enquanto contorna o carro e para em frente ao motor.

Observo-o desconfiada e ao mesmo tempo me obrigo a ter um pouco de esperança de que o sujeito seja um cidadão de bem. Afinal, não tenho outra alternativa.

Será que é alguma celebridade que escolheu viver reclusa?

Analiso-o de cima a baixo, mas não consigo lembrar desse rosto na mídia.

Na verdade, é bem bonito. Poderia ser um astro do rock, um modelo ou atleta. O único defeito é uma pequena cicatriz na altura do supercílio. E até isso lhe dá um ar de mistério.

O cão continua quieto, observando cada movimento meu e do tutor.

_ Parece que não foi nada no motor. Pode ter sido na parte elétrica. Amanhã verei com mais facilidade. _ Fecha o capô.

_ Amanhã? Não pode ver agora? Ou me emprestar um telefone para ligar para o reboque?

Ele sorri de lado, agora mostrando um pouco os dentes, que por sinal são perfeitos.

_ Não tenho telefone.

_ Não tem? Como consegue viver  incomunicável?

Ele cerra os olhos.

_ Dou meu jeito. _ Vira as costas. _ Tem duas opções. Pode se abrigar em minha casa ou se preferir, passe a noite dentro do carro sem a mínima segurança, já que as portas não estão travando como verifiquei.

Arregalo os olhos com a ideia de passar a noite na casa de um completo desconhecido. Olho em direção ao carro.

_ Não quero incomodar você e sua família.

_ Não há mais ninguém. Apenas Brutus e eu. _ Ele desvia o olhar. Ergue o queixo com uma postura dura. As mandíbulas se apertam.

_ Ah, ah. Então, acho que é melhor ficar por aqui para facilitar quando o reboque chegar.

_ A escolha é sua. _ As feições se endurecem. _ Aconselho a passar a noite acordada. Está se aproximando a temporada dos ursos saírem da hibernação.

Vira de costas e começa a andar.

_ Brutus, vem.

O cão olha incerto de um para o outro.

_ Ursos? _ Tento dar alguns passos para entrar na cabine do carro, mas uma fisgada muito forte em meu tornozelo me faz gemer alto.

Ele olha para trás. Nossos olhos se encontram.

_ Acho que machuquei o pé.

Observa-me por alguns segundos. Novamente tenho a impressão de que trava uma batalha interna entre me ajudar ou me deixar congelar até virar refeição dos ursos.

_ Droga... _ Resmunga entredentes e retorna. O cão o acompanha como um fiel guarda-costas.

Chega muito perto.

_ Não precisa... _ Antes que eu termine a frase, me segura pela cintura com ambas as mãos e me coloca sentada no banco do motorista.

Abre minha bota com agilidade e puxa do pé direito. Dobra a bainha da calça jeans e aperta meu tornozelo dolorido. Gemo outra vez com os movimentos que me obriga a fazer.

_ Não chega a ser uma torção, mas deve ter luxado. Pode ter virado o pé quando caiu.

_ Como sabe só de olhar?

_ Somente um raio-x pode confirmar. Mas minha experiência diz que é só uma luxação. De qualquer forma, melhor esperar amanhecer. A neve está aumentando. _ Pisca ao olhar para o alto.

O observo meio que hipnotizada. Quem é esse homem?

_ Venha. _ Com facilidade, me ergue nos braços.

Fecha a porta do carro com um ombro. Logo sinto a quentura do corpo musculoso ser transferida para mim. Seguro em seu pescoço sentindo-me sem jeito pela proximidade.

_ Brutus, vá na frente. _ Assim que recebe o comando, o cão dispara no meio da noite...

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