Capítulo 10 - Lenda urbana

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Apesar de ter sido protegida por meus pais, mais do que o necessário, durante a infância e adolescência, nunca fui o tipo de garota indefesa.

Na fase adulta, deixei meus pais "de cabelos em pé" algumas vezes.

A empolgação no início da carreira, talvez tenha me levado a tomar decisões precipitadas e colocou-me em situações arriscadas algumas vezes. Como da vez em que fiquei encurralada no meio de um tiroteio em uma comunidade carioca. Ou quando um sequestrador me fez de refém por me aproximar demais do local do cativeiro.

Conquistei muitos "furos" de reportagens quando recém formada e a impulsividade me comandava. Mas quase levei meus pais ao enfarto. Chegaram a me pressionar a desistir da carreira jornalística.

Solto um riso feito um chiado.

_ Talvez agora isso realmente esteja acontecendo. Ainda que contra minha vontade. _ Murmuro sozinha na cabine do carro em direção à Icefield Parkway, estrada que me levará ao início da Montanha Robson.

Antes de subir, paro uma última vez para abastecer o carro.

_ A parte da estrada que dá acesso ao monte Robson é tranquila ou oferece algum obstáculo? _ Recosto-me no capô do veículo perguntando ao frentista do posto.

_ Depende até que altura vá. No início, o percurso é bem tranquilo, porém mais para cima a estrada não é asfaltada. Exige mais atenção, principalmente se nevar. A floresta também fica mais densa. Tome cuidado com animais e a fera.

Ergo as sobrancelhas.

Novamente essa conversa de fera. O povo de Robson parece muito supersticioso.

_ A casa de meu tio não fica muito distante. _ Verifico o mapa no celular.

_ A moça deve ser a sobrinha do jornalista Tremblay... _ O rapaz de macacão se coça de forma desagradável de ser vista.

_ Sou. Como sabia?

_ É um distrito pequeno. Aqui qualquer notícia se espelha rápido. _ Ele parece mascar chiclete ou qualquer outra coisa que nunca acaba.

_ Não sabia que minha chegada era uma notícia. _ Procuro o cartão de crédito na carteira.

_ Hum, vou pegar a máquina. _ O rapaz me olha de lado e depois caminha em direção à loja de conveniência do posto.

Um menino aparentando uns doze anos se aproxima.

_ Moça, quer comprar um ingresso para o Festival de Inverno?

_ Não sou da cidade. Estou de passagem. Não poderei assistir. Desculpe.

O menino me encara com grandes olhos amendoados e brilhantes de empolgação.

_ Mas é para ajudar ao Orfanato de Robson. _ Empurra um panfleto em minha mão.

Noto que outras crianças circulam pelas ruas oferecendo os convites para a população.

_ Você é de lá? Digo, você vive no Orfanato de Robson?

O menino afirma com a cabeça.

_ Eu e meu irmãozinho estamos lá desde que nossa mãe se foi. _ O menino fala naturalmente, mas sinto que camufla o que sente.

_ Certo. Vou ficar com um ingresso. Ou melhor, me dê dois. Qual o valor?

Ainda que não possa ir, é por uma boa causa.

Não sei se é o mesmo orfanato, mas meu tio Alexander pode ter vivido nessa instituição antes de meus avós o adotarem.

_ Pague na bilheteria no dia. _ Ele me entrega. _ Obrigado. Garanto que vai gostar da peça. Se chama "A rena e a fera da montanha". Leve seu namorado para assistir! _ O menino sai correndo juntando-se aos outros.

_ Namorado...rs. _ Faço uma careta e observo a ilustração do ingresso. Uma garotinha vestida de rena e um menino de macacão peludo representando a fera.

_ Aqui está. _ O frentista retorna com a máquina. _ Pronto. _ Devolve-me o cartão.

_ Por que as pessoas daqui falam tanto em fera da montanha?

O rapaz sorri de um jeito sabichão.

_ Trata-se de uma lenda urbana que o povo inventou. Não é uma fera de verdade. Apenas um miserável sem escrúpulos que vive isolado nas montanhas porque tem vergonha de encarar as pessoas da cidade. _ O rapaz cospe no chão.

Seus modos não são nem um pouco educados.

_ E por que ele se isola? _ Minha curiosidade jornalística começa a aflorar.

O rapaz me olha de relance. Depois bufa.

_ Por que quer saber? Vai dizer que é uma dessas turistas em busca de emoção que veio para a cidade para caçar a " fera"?

_ Estou aqui por motivos pessoais. E como você mesmo disse, trata-se de um humano, não uma fera. Por que as pessoas querem o caçar?

O jovem ergue os ombros.

_ Talvez ele deva algo há algumas pessoas. _ Debocha.

Canso da conversa maluca. Aceno e vou para o carro dando partida em seguida...

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Uma cabana na montanha Onde histórias criam vida. Descubra agora