Capítulo 29 - O que não faço por você?

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Will

Algumas horas antes...

_ Eu realmente deveria ter ido com ela. _ Observo os picos da montanha cobertos por nuvens carregadas ao entardecer.

A manhã passou e uma nova tempestade se aproxima. Sabia que algo assim poderia acontecer, mas não fui capaz de arredar os pés da neve. Fiquei parado de braços cruzados feito um inútil olhando Maria Lúcia partir.

A sensação de perda e vazio dominou-me e me consumiu por todo o dia. Precisei correr para liberar o estresse.

Tenho muita sorte por ter Brutus sempre ao meu lado. Se não fosse por ele, talvez agora não estivesse vivo.

Após a corrida, decidi dar um mergulho no lago, como de costume. Mas dessa vez, algo deu errado. Perdi a direção e acabei preso embaixo de uma camada de gelo. Foram segundo desesperadores e se não fosse por Brutus me direcionar para a saída latindo e correndo por cima da calota de gelo lacustre com certeza agora estaria morto.

Outra onda de calafrios me acomete. Aperto o cobertor enrolado no corpo e volto para a sala em frente à lareira. Bebo o último gole de whisky que servi em um copo para me aquecer rapidamente.

_ Não adianta, amigo. Não consigo mais esperar. Alguma coisa deve ter acontecido. _ Arreio o copo decidido.

Brutus ergue a cabeça com as orelhas levantadas.

_ Descanse, rapaz. Sei que te dei trabalho hoje. _ Coço a cabeça do cão que permanece deitado no tapete em frente a lareira.

Brutus apenas resmunga.

Subo a escadaria apressado. Troco de roupa e visto meu casaco mais quente. Desço duplamente agitado. Recolho o molho de chaves de um gancho preso à parede.

Brutus continua me observando alerta.

_ Trarei ela de volta. Não se preocupe. _ Prometo ao meu cão algo que na verdade quero muito acreditar.

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_ Droga. A que ponto cheguei. _ Soco o volante da caminhonete estacionada em uma via pouco movimentada do centro de Robson. _ Não bastava ser chamado de fera, agora me tornei um perseguidor.

Fecho os olhos e respiro fundo. Meus pulmões ardem pela exposição ao frio de mais cedo.

_ Se controle William. Você só vai se certificar de que ela está bem. Caso não queira voltar com você está tudo bem.

Gemo e encosto a cabeça no volante.

_ Não. Não está bem.

Soco novamente o volante.

_ Como pude deixar isso acontecer?! Como cheguei a esse ponto?! Merda, não sou nenhum adolescente!

Um carro passa pela via principal iluminando a parte traseira da caminhonete. Prendo a respiração e olho pelo retrovisor. Ele se afasta sem notar minha presença. Solto o ar com força provocando uma crise de tosse.

_ Certo. Vamos resolver isso logo. _ Abro o porta-luvas, pego uma corrente e enfio no bolso do casaco.

Desço da caminhonete e caminho pelas sombras projetadas pela noite...

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Observo ao longe luzes coloridas iluminando a praça. Um movimento maior de pessoas se concentra nessa parte. Há anos não venho aqui. Há anos não falo com essas pessoas.

_ Será que algum deles ainda me reconhece? Prefiro não arriscar. _ Resmungo e volto a caminhar pelas sombras.

Um encarte colado em um dos postes chama atenção. Sorrio com escárnio e arranco o papel.

_ "A rena e a fera". Pelo jeito, nada mudou.

Leio o título da peça teatral que será representada daqui há alguns minutos no festival organizado pela prefeitura.

_ Aqueles porcos... _ Falo entredentes.

Amasso o papel na mão e volto a caminhar mais decidido.

_ Talvez ela tenha ficado por causa da festa. E eu vim atrapalhar. Nossa, que idiota sou. _ Bufo exasperado.

Entro em um beco para cortar caminho.

Vou tentar observar de longe e depois irei embora. Só preciso ter certeza de que está bem. Sei que ela não me pertence. O quanto antes me conformar com a realidade, melhor.

O que eu estava pensando? Que uma garota como Maria Lúcia viria de tão longe para cair em meus braços?

Dou mais alguns passou no beco estreito e escuro até que sinto o baque de alguém trombando em meu peito...

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Malu

_ Já disse que estou bem. _ Will tenta tirar o termômetro que coloquei debaixo de seu braço.

_ Fique quieto aí. _ Empurro seu peito para que fique sentado no sofá. Ele sede visivelmente indisposto.

_ Quase 39° de febre! O que fez para ficar assim.

_ Não aconteceu nada. Já disse. _ Ele não consegue evitar uma crise de tosse.

_ Está resfriado. Aposto que ficou o dia inteiro andando por aí sem camisa. Não entende que não está em um país tropical como o Brasil? Não dá para se expor assim nesse clima!

_ Claro que sei. Nasci aqui. _ Will encosta a cabeça no sofá e fecha os olhos.

_Vamos. Vou ajudá-lo a subir para o quarto. Farei uma sopa para se recuperar. Minha mãe sempre faz quando estou doente.

Will segura meu pulso enquanto se levanta.

_ Por favor, sopa não.

Estreito os olhos.

_ Pelo jeito não está tão doente assim. Está com forças para debochar.

_ Não quero comer nada. Só preciso deitar.

Will caminha para a escada. Acompanho-o. Brutus se levanta do tapete onde estava enrolado e vem logo atrás como que para se certificar de que está tudo bem.

_ Evite se agasalhar demais para não aumentar a temperatura do corpo. _ Acomodo a cabeça de Will no travesseiro.

Tiro o joelho da cama e me afasto. Ele segura minha mão.

_ Por favor, fique. _ Sua voz está mais rouca que o normal e os olhos semicerrados continuam vermelhos.

_ Voltarei. Só irei em meu quarto pegar um antitérmico em minha necessaire.

Ele solta minha mão. O braço cai pesadamente no colchão.

Volto em poucos minutos.

_ Will, tome o remédio. Trouxe o chá que você fez para acompanhar._ Ajoelho-me na cama.

Ele resmunga.

_ Vamos, Will. Me ajude. Você é muito pesado. _ Tento virá-lo.

Ele abre os olhos lentamente, se levanta devagar e toma o remédio.

_ Comeu alguma coisa hoje?

_ Tomei um copo de Wisky. _ Responde arrastado.

_ Está brincando, né?!

Will deita sem responder. Brutus sobe na cama e deita ao seu lado.

Sacudo a cabeça em reprovação.

_ Não é possível isso! Só não te dou uma lição porque não está em condições de se defender...

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