Capítulo 15 - Isolados - Parte 1

180 45 10
                                    

_ Sou eu...

Quando reconheço a voz rouca é tarde demais. Investi um golpe com o cabo da vassoura. Mas o oponente é rápido e segura meu braço antes que o atinja.

_ O que está acontecendo aqui? _ William registra rapidamente com o olhar todo o caos instaurado na despensa.

Me desiquilibro e caio para frente em seu peito. Com o braço livre ele me segura pela cintura.

Talvez Brutus tenha entendido que estávamos brigando, porque avança em minhas costas, acredito que para defender o amigo. Sinto seu bafo próximo ao meu cangote.

Encosto a testa no peito de William, aperto os olhos e espero sentir a dor da mordida.

_ Brutus! Não! Senta, rapaz.

O cão desce imediatamente e se afasta. Mas continua nos observando à distância.

_ Está tudo bem? _ William me mantém junto ao seu corpo quente por conta do casaco de pelo escuro.

_ Pensei que um urso tinha invadido a cabana. _ Ergo a cabeça.

É impossível não sentir seu cheiro, uma mistura cítrica amadeirada.

Ele me observa perplexo.

_ Me confundiu com um urso? _ Um raro sorriso muito discreto se insinua no canto da boca.

_ Tem um guaxinim vivendo em seu telhado. Estava roubando a despensa. Escutamos o barulho e viemos averiguar.

_ Quer dizer que o ladrãozinho voltou?! _ William olha para o alto.

_ Aí de repente você surgiu e nos assustou.

_ Certo. Mas da próxima vez, vista-se antes de caçar.

Só agora noto que William me abrigou dentro de seu casaco porque estou somente de calcinha e sutiã. Brutus deve ter arrancado a toalha quando subiu em mim.

_ Ai, meu Deus! _ Tento me envolver com os braços.

_ Tome. Use isso. _ William tira o casaco enorme para o meu tamanho e me cobre.

Passa alguns segundos me observando de forma indecifrável.

_ O que foi? _ Fico na defensiva. _ Nem parece o cara que fica por aí andando sem camisa na neve.

William ergue as sobrancelhas. Mas não retruca.

_Vou levar a mala para um dos quartos de cima. _ Segue pelo corredor.

**************************************
Os móveis do quarto são todos de madeira rústica e bem elaborados. Deslizo a mão pelas flores em alto relevo talhadas na cabeceira da cama de casal forrada com uma colcha de retalhos e uma manta de flanela dobrada. Um baú ao pé da cama e uma penteadeira com espelho. Tudo muito prático e limpo.

Olho pela janela projetada até a altura do teto. A vista da montanha e do bosque que toma boa parte do Parque Jasper dá uma sensação de que parei no tempo. Nem parece que há alguns dias estava fugindo da exposição da mídia pelas mentiras inventadas por Gael.

_ Apesar da nevasca ter atrasado meus planos, talvez estar aqui isolada por um tempo me faça bem. _ Suspiro.

A imensidão que se estende sobre meus olhos me faz pensar que o mundo tem muito mais a oferecer do que aquilo que planejava para mim.

_ É Dalmo Brandão, no fim, você tinha total razão.

Gael, Valéria, todas as mentiras que inventaram e aqueles que me "massacraram" sem averiguar a verdade por trás das telas, não importam mais. Sinto que posso recomeçar de outra forma. Me reinventar, seja no jornalismo ou em outra área. Talvez até volte a escrever e tire da "gaveta" o livro que sempre sonhei escrever...

Massageio o tornozelo com a pomada deixada por William na penteadeira. Visto um conjunto de moletom preto quentinho, tênis e desço para ver se William precisa de ajuda para arrumar a bagunça deixada na despensa.

Brutus ergue as orelhas e me observa da porta da cozinha enquanto cruzo a sala e sento no sofá. Olho para ele ressentida, pego meu notebook, que estava na mala, e abro. William está parado no umbral da porta logo atrás.

_ Não o julgue tanto. Afinal, ele te conheceu a pouco tempo. É claro que avançaria ao mínimo sinal de ameaça a mim. Estamos juntos há anos e os cães são fiéis. _ Me oferece uma xícara de leite quente.

_ Obrigada. _ Bebo um gole. _ Desculpe pela confusão também.

_ Ninguém tem culpa de nada, além daquele ladrãozinho. _ William olha para o teto.

Aceno a cabeça achando agora a situação ridícula.

_ O que vai fazer? _ William olha para o notebook ligado.

_ Pensei em revisar uns textos que tenho arquivado. Na verdade, o que queria era ter internet ou sinal telefônico para falar com meus pais. Devem estar preocupados com minha falta de notícia.

_ Sinto muito. _ William retorna para a cozinha.

Levanto e vou atrás.

_ Posso perguntar algo?

_ Pode. Mas me reservo o direito de não responder, se não quiser.

_ Por que escolheu viver aqui isolado da cidade e sem alguns recursos?

_ Prefiro assim. _ Ele se concentra em lavar as canecas e secá-las. _ Seu tio também gostava do exílio.

_ Meu pai me contou que Alexander sempre foi mais na dele. Porém, depois da morte de meus avós, ele partiu do Brasil e passou a falar raramente com a família.

_ Então, você é brasileira? _ William acaba de secar a pia e me observa curioso.

Confirmo com a cabeça.

_ Desculpe-me se estou sendo intrometida. Mas sabe, talvez não seja saudável se distanciar assim. A internet veio para aproximar as pessoas.

William apenas esboça aquele sorriso de canto de boca discreto que não atinge os olhos.

_ Em meu caso, o isolamento foi a cura...

**************************************

Uma cabana na montanha Onde histórias criam vida. Descubra agora