Capítulo 38 - Desvendado mistérios - Parte 3

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Passo pelo centro de Robson na volta para casa. Curiosamente, a lanchonete de Ava está fechada no horário de maior pico.

_ Espero que esteja tudo bem. _ Uno as sobrancelhas ao ler a placa de aviso pendurada na porta.

Atravesso a rua sentido-me frustrada. Pretendia fazer novas perguntas à Ava e Oliver. Os dois são uns dos poucos que falam comigo na cidade. Depois que Harold espalhou sobre meu envolvimento com Will, boa parte dos cidadãos passaram a me ignorar.

Alcanço a calçada e me dirijo ao prédio de dois andares onde funciona "O Gazeta de Robson", responsável pelo canal de rádio e pelo jornal físico, ainda usado no distrito.

_ O prefeito Jackson Murray parece não investir muito em modernização. _ Comento baixo enquanto observo as paredes amarelas com a pintura desgastada.

No interior, há apenas duas poltronas no saguão de espera e um balcão vazio. Olho ao redor. Em uma das paredes há pequenos quadros com matérias jornalísticas emolduradas, registros de eventos importantes na cidade, premiações e fotos de jornalistas que passaram pelo " Gazeta".

Uma das fotos chama minha atenção. Um dos jornalistas retratados é meu tio sentado em frente a uma mesa com sua velha máquina de escrever. Está bem mais jovem do que nas fotos que encontrei em casa. Usa óculos e tem uma caneta presa na orelha. A foto capturou seu rosto exatamente quando um discreto sorriso se formava. Ao fundo, há outro homem em pé.

A legenda diz: "O JORNALISTA ALEXANDER TREMBLAY, GANHA DESTAQUE POR SUA COLUNA SOCIAL NO "GAZETA DE ROBSON".

_ Cada migalha de informação que encontro ao seu respeito passo a te admirar mais, tio. _ Passo o dedo pela borda do quadro.

_ Estava estranhando que ainda não tivesse vindo aqui. _ Uma voz masculina cansada me surpreende.

Giro o corpo e observo um idoso parado na parte de dentro do balcão. Boa parte de seus cabelos estão brancos, os olhos são azuis e a barriga proeminente força os botões do colete do uniforme.

Ele sorri.

_ Desculpe se a assustei. Sou Wilfred Fisher, o funcionário mais antigo dessa pocilga. _ O senhor estufa o peito e se apresenta com orgulho.

_ Ah, prazer em conhecê-lo, Wilfred. Sou Maria Lúcia Brandão, sobrinha dele. _ Aponto para o quadro.

_ Brandão? _ Wilfred enruga a testa. _ Não é a sobrinha de Tremblay? Não tem o mesmo sobrenome que ele?

_ Na verdade, não. Mas isso é outra história. _ Pisco o olho para o senhorzinho.

Ele sorri compreensivo.

Admiro-o por ainda trabalhar no jornal. Tenho certeza de que já poderia estar usufruindo da aposentadoria. Talvez simplesmente goste de estar no lugar.

_ Eram muito amigos. _ Wilfred aponta o quadro com a cabeça. _ Seu tio e Mackenzie.

_ Mackenzie? _ Lembro de ter visto esse sobrenome recentemente. _ Por acaso esse é Gordon Mackenzie?

Recordo do nome completo do repórter que fez a cobertura do acidente na mineradora de Robson. Meu tio anexou recortes da matéria acusadora no dossiê.

_ Isso mesmo. Gordon Mackenzie. Os dois fizeram muitos trabalhos jornalísticos juntos. Mas por algum motivo pararam de se falar. Nos últimos anos seu tio não suportava nem ouvir falar no nome dele.

_ Estranho. _ Franzo a testa e observo novamente a foto. _ Onde Mackenzie está agora?

Wilfred ergue os ombros.

_ Partiu de Robson há alguns anos. Ninguém mais ouviu falar dele. Seu último trabalho aqui foi a cobertura do acidente da mina.

_ Curioso. _ Sussurro.

_ Os dois eram muito diferentes. Mas formavam uma dupla e tanto no jornalismo. Mackenzie sempre foi mais ambicioso. Parece que recebeu uma proposta de trabalho irrecusável em outro país.

_ Entendo.

_ Já seu tio... _ Wilfred sorri rouco. _ Tremblay ficou conhecido por falar e escrever o que pensava doa a quem doer.

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Após a breve conversa com Wilfred, saio do prédio do Gazeta com mais interrogações do que tinha. O que teria acontecido entre meu tio e o tal de Mackenzie para provocar tamanha rachadura na amizade a ponto de pararem de se falar? E por que Mackenzie abandonou o emprego e partiu da cidade tão abruptamente após o acidente?

_ Ah, minha mente está tão barulhenta. _ Respiro fundo e observo o céu.

Nuvens cinzas se amontoam sobre o distrito.

_ Melhor ir para casa. _ Atravesso a rua em direção ao carro.

Preciso urgentemente de respostas. Gostaria de poder conversar abertamente com Will e compartilhar com ele minhas suspeitas. Mas não posso procurá-lo ainda. Ele não quer me ver, talvez nunca mais queira.

Um nó se forma em minha garganta.

Sinto falta dele. Sinto falta do cuidado e proteção que sempre me dedicou. Sinto falta do abraço apertado de urso. Do cheiro amadeirado nas roupas. Do calor da pele. Dos olhos castanhos esverdeados me analisando. Da mão áspera percorrendo minha pele...

_ Concentre-se, Malu. _ Apoio a cabeça no volante ao entrar no carro.

Olho para o painel. O veículo está quase na reserva.

_ Deveria ter abastecido antes. Agora só me resta o único posto de Robson. Espero não encontrar o frentista esquisitão...

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Estaciono em frente a bomba de abastecimento e saio do veículo. Olho em volta por alguns segundos até que a porta da loja de conveniência se abre e o indivíduo asqueroso surge. Vem coçando a virilha com uma mão e na outra carrega um sanduíche.

_ Ora, ora, como diz o ditado: "Dor de barriga não dá uma vez só". _ Ri sarcástico.

Faço uma careta ao ver o bolo alimentar se movimentar em sua boca aberta.

_ Só quero abastecer. Dispenso os comentários, por favor. _ Estendo a chave do carro.

Ele funga. Faz careta. Se coça mais algumas vezes, mas pega a chave e conclui o trabalho.

_ Sinto muito, realeza, mas terá que pagar na loja. _ Aponta quando saco o cartão da carteira.

_ Fala sério. _ Bufo. _ Como consegue se manter empregado tratando os clientes dessa forma?

Pego a chave incomodada com a falta de higiene do homem. Sigo em direção à loja. Assim que entro, outro homem jovem ergue a cabeça do balcão.

_ Olhe quem eu te trouxe finalmente, chefe! _ O frentista vem logo atrás embarreirando minha tentativa de retorno assim que me dou conta de ter caído em uma armadilha...

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