Lívia11 de Setembro de 2024
Vila Aurora
Zona Norte, São Paulo.Nem acreditei quando abri os olhos e me deparei com o relógio marcando cinco e meia da manhã. O Jorge só podia estar de sacanagem. Cada vez esse menino acordava mais cedo, e cada vez eu queria dormir mais.
O Thiago estava apagado do meu lado, e nem estava escutando o choro do J, então só me restou levantar da cama e ir acalmar o meu docinho de leite.
Nem coloquei os chinelos no pé, e me arrastei até o quarto do Jorge, vendo ele sentadinho no berço, e olhando na direção da porta. Eu forcei meu sorriso para ele, mas o neném abriu um choro ainda mais forte, fazendo drama.
Lívia: Pronto, meu amor - puxei ele pro meu colo, e balancei até que se acalmasse um pouquinho.
Depois, eu desci as escadas e fiz a mamadeira, ainda com o meu pacotinho grudado na mamãe dele. Me sentei no sofá e liguei a televisão. Enquanto estava dando a mamadeira pro meu filho, ouvi o Thiago descendo as escadas.
Thiago: Essas hora, moleque? - perguntou, parando ao nosso lado e colocando as mãos na cintura, logo depois de coçar os olhos.
Lívia: Cada vez mais cedo.
Thiago: Mas dormiu tardão ontem, fiquei uma cota vendo desenho com ele depois que tu dormiu.
Ele se jogou do meu lado, dando um cheiro no meu pescoço, e pegou o controle da televisão, pra mudar de canal.
Jorginho tomou toda a mamadeira e eu deixei ele com o Thiago, pra poder ir no banheiro me ajeitar.
Enquanto escovava os dentes, ficava olhando o meu reflexo no espelho e pensando o que o Thiago tinha me falado a uns dias atrás. Sobre nosso bebê ter os meus olhos. Eu não queria, de jeito nenhum que isso acontecesse, e por mais que fosse a vontade dele, eu comecei a rezar todas as noites pra que isso não acontecesse.
Eu até achava bonito, mas não em mim. Não em mim porque eu lembro do quanto me limitei por vergonha, por ser diferente. Lembro do que eu já ouvi, e do jeito que as pessoas me olhavam quando viam os meus olhos de verdade. Não queria que um filho meu passasse por isso.
Logo parei de pensar nisso, tentando não ficar louca e continuei me arrumando normalmente, até tirar a minha roupa pra entrar no chuveiro. Mas meu corpo simplesmente travou ao ver a mancha vermelha na minha calcinha.
Meu coração acelerou em uma frequência absurda e eu automaticamente levei uma das mãos para minha boca, segurando o tecido na outra mão.
Era vermelho vivo, e eu sabia muito bem o que isso podia significar.
Eu só fechei os olhos e comecei a pedir a Deus que não tirasse meu filho de mim.
Lívia: Thiago - praticamente gritei, destrancando a porta do banheiro - Corre aqui.
Nem dois segundos depois, meu namorado apareceu na minha frente, sem o Jorge, com cara de susto. Eu não consegui sustentar o olhar, e virei de costas para ele, voltando a pôr as minhas mãos no rosto quando sentia as lágrimas molhando a minha pele.
Meu bebê, cara. A dias eu sonhava com esse bebê. Eu não podia perder ele assim.
Thiago: Que foi? - ele tocou o meu ombro - Lívia, o que tá rolando?
Lívia: Preciso de um hospital - não me virei, ele me puxou, de forma que ficasse de frente pra ele, mas meus olhos ainda encaravam a roupa no chão - Tem sangue na minha roupa, eu não quero perder o nosso filho, Thiago. Faz alguma coisa!
Pela sua falta de reação, imaginei que estivesse tentando assimilar tudo o que eu falei.
Mas antes de sair do banheiro feito louco, dizendo que a gente tinha que correr pro hospital, ele quase me puxou para um abraço, mas travou no meio do caminho, entendendo a dimensão do problema.
O meu choro travou na garganta quando eu voltei a vestir minha roupa. Ao sair do banheiro, a cena era de puro caos. O Thiago andando de um lado para o outro, carregando o Jorge e as nossas coisas para o carro. Depois, ele me olhou com receio, e caminhou na minha direção, me ajudando a ir até o carro do lado de fora.
Thiago: Vai ficar tudo bem, pô - falou, quando se sentou no banco do motorista e saiu da garagem na maior velocidade - Vai ficar tudo bem.
Encostei minha cabeça no banco do carro, e fechei os olhos, controlando a respiração e o meu choro.
Durante todo o caminho eu rezei. Eu rezei tanto pra que Deus não tirasse meu bebê de mim. E pouco me importava o que a gente enfrentaria. Tudo bem se ficasse todas as noites da minha vida sem dormir, tudo bem se precisasse sentir toda a dor da amamentação mais uma vez, tudo bem se eu precisasse deixar todos os meus luxos e minhas vaidades de lado. Tudo bem se nunca mais tivesse um dia num salão de beleza. Tava tudo bem, desde que meu segundo bebê estivesse com a família dele, como tinha que ser.
Tudo bem se ele fosse a cara do Thiago, ou então se gostasse do pai mais do que de mim. Ou até mesmo se fosse mais um Corinthiano. Tudo bem. Tava tudo bem. Eu juro que não iria me importar se ele tivesse os meus olhos. Na verdade, agora, tudo o que queria era que ele tivesse os meus olhos, mas estivesse bem.
Eu enfrentaria qualquer coisa, meu Deus. Qualquer coisa.
Eu ouvi o barulho da porta do carro se abrindo, e só então notei que nós já tínhamos chegado ao hospital.
Thiago: Amor, vem - falou, me esticando uma mão, enquanto segurava o Jorge com a outra.
Respirei fundo e desci do carro.
Na recepção, mesmo não conseguindo controlar o choro, expliquei toda a situação, as recepcionistas me olhavam de um jeito estranho, mas não consegui me importar, e entrei na sala da doutora menos de dez minutos depois, porque era uma situação de emergência.
O J e o Thiago entraram comigo. A médica chamou para a sala de ultrassom enquanto me questionava algumas coisas. Se eu tinha feito algum esforço, a quanto tempo sabia da gravidez, de quanto tempo eu achava que estava grávida. Mesmo nervosa, tentei responder tudo com a maior clareza.
Ela ajustou todo o equipamento, e o Thiago parou do meu lado, com o Jorge no colo. Eu fechei os olhos ao sentir o gel gelado na minha barriga, e ele passou os dedos no meu cabelo no exato momento em que a médica colocou o aparelho na minha barriga.
Não tive coragem de abrir os olhos pra encarar a televisão, até que escutasse o coração do meu bebê batendo forte dentro de mim.
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Nocaute - A profecia
RomansVamos apelidar o agora de para sempre e aproveitar a cada segundo da eternidade.